segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Distúrbios de Aprendizagem e TDAH • Learning Disorders and ADHD

A moda do século é dizer que crianças têm TDAH ou Distúrbios de Aprendizagem, assim como adultos têm Transtorno Bipolar. O indignante é pensar que várias das crianças ou adolescentes que realmente sofrem desses distúrbios ou transtornos não têm acesso à informação ou a testes e consultas que comprovem que o baixo rendimento escolar pode ter uma explicação científica.


Por sorte, tive a oportunidade de fazer parte de um Projeto de Extensão no Hospital Universitário de Brasília. Somos um grupo de quatro estudantes, acompanhadas por um neuropediatra e supervisionadas por uma doutora em Psicologia. No ambulatório de neurologia do hospital, atendemos crianças de 6 a adolescentes de 16 anos e 11 meses, todos com queixas envolvendo dificuldade de aprendizagem, agressividade, memória ruim, agitação extrema e/ou falta de atenção. 99% das crianças que atendemos são da rede pública e poucas delas estudam em escolas que respeitam as regras de atenção particular às crianças que precisam de adaptações curriculares ou adaptações de material ou turmas.


Por um lado, conseguimos perceber que realmente há muitas crianças com dificuldades em aprender ou manter atenção por muito tempo. Mas até que ponto podemos culpá-las por isso? Como não pensar que a escola está tendo problemas em passar o conteúdo? Como não se perguntar se a criança passa por algum tipo de estresse, depressão ou falta de incentivo e estímulo aos estudos? Talvez essa seja a maior dificuldade para profissionais que avaliam o desempenho escolar das crianças. É muito fácil diagnosticá-los com distúrbios e transtornos, se no fundo, em grande parte dos casos, é a escola que está pecando. A avaliação precisa ser feita em um âmbito muito maior do que em um ambulatório de hospital.


Os testes psicológicos por muito tempo foram vistos como negativos e rotuladores. Muitos psicólogos fizeram uso dos testes e tiverem vieses terríveis em seus resultados. Muitos também não divulgaram os resultados para os sujeitos participantes. A verdade é que os testes psicológicos validados têm toda a capacidade de trazerem resultados confiáveis. O WISC-III, que é o teste que utilizamos, avalia a inteligência da criança, em uma perspectiva teórica bem ampla. Apesar de os resultados serem em QI e Índices Fatoriais, há a possibilidade de avaliarmos muitos aspectos do paciente e chegarmos em uma conclusão boa. Mas é realmente indispensável o bom treinamento para examinadores que fizerem o uso do WISC. Há uma responsabilidade enorme na mão dessas pessoas e há pacientes esperando por resultados que podem mudar suas vidas.


Enfim, o papel do psicólogo tem se tornado muito abrangente e não consigo desvincular essa profissão da grande obrigação de zelar eticamente pelo bem estar dos pacientes ou de qualquer pessoa que estiver envolvida com uma intervenção psicológica. Acredito que ainda falta muito investimento acadêmico em oportunidades, estágios, matérias, materiais, etc, que desenvolvam cada vez mais o conhecimento e a habilidade de estudantes de psicologia para a atuação real, para o cara a cara. Acredito também que falta um pouco de interesse nos estudantes em aprofundar seus conhecimentos. Se todos que atuam na área da saúde colaborarem para a prevenção do erro em diagnósticos enviesados, a banalização dos transtornos acaba de uma vez por todas. Estão em falta profissionais que direcionem essas famílias desesperadas a uma resposta aos sintomas dos filhos.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Rapport



É intrigante pensar nas magias de um Rapport. O contato inicial, a confiança, o vínculo, diga-se de passagem.


Em um âmbito terapêutico, imagine quantas particularidades e subjetividades não devem fazer parte desse contato inicial, que influenciará a adesão até o final do "tratamento" ?


Uma pessoa vai em busca de ajuda e carrega com ela um universo. Por trás de queixas somáticas, podem existir causas emocionais fortíssimas. É uma caixa sem fundo, que está prestes a ser desmembrada aos poucos. Se essa pessoa nunca teve um ponto de apoio e esse Rapport é idealmente estabelecido, ela encontra ali a sua fortaleza.





Algumas reflexões sobre esse vínculo terapêutico tem me levantado questões que mexem comigo. O fato de precisarmos saber o que vem do outro e o que é parte de nós é um limiar tão fino e tão pequeno, que julgo privilegiados os profissionais que possuem esse controle. Não é por acaso que nos é recomendada a terapia. Quando sabemos exatamente o que nos toca e quando conseguimos deixar isso tudo dentro do armário para sermos apenas profissionais, conseguimos estabelecer um vínculo acolhedor, mas ao mesmo tempo impessoal.





Acho fácil se pensar que, se há uma imagem de psicólogo construída socialmente e há um bom tempo, pacientes se sentem amedrontados em buscar esse tipo de ajuda, seja para fazer uma entrevista diagnóstica, seja para iniciar um tratamento. Por incrível que pareça, há vários "profissionais" por aí que não possuem a habilidade de trazer conforto e aconchego, posicionam-se como os donos da verdade, são arrogantes e preconceituosos. É por isso que as questões pessoais que carregamos conosco devem ficar para trás quando assumimos uma postura profissional e assumimos um dever ético diante dessas pessoas. Já não é fácil passar por esse tipo de experiência, porque muitas vezes não se tem um completo insight do que ocorre, ou quando se tem, está em brando sofrimento. Se não há alguém, em posição de transferência, para amenizar essa ansiedade, que tipo de Rapport será estabelecido? Que tipo de abertura ou conforto o paciente sentirá para abrir sua história?





Antes de tudo, o caráter humano deve se sobressaír nessas relações. Não devemos deixar os limites de lado, porque cada ser humano possui os seus. O contrato inicial também não pode cambalear, pois o vínculo terapêutico depende desse ponto firme, mas o principal instrumento do psicólogo deve estar inteiro e completo: ele mesmo.

domingo, 24 de maio de 2009

Zona de Desenvolvimento Proximal • Zone of proximal development












O que vem primeiro, o desenvolvimento ou a aprendizagem?

Há teóricos que defendem que o desenvolvimento vem antes da aprendizagem. Não que essas teorias estejam erradas, mas será que podemos limitar a aprendizagem a fases separadas da vida? Quero dizer, será que só é possível e saudável aprender a ler quando atingimos os seis anos de idade?

Há teorias que dizem que desenvolvimento e aprendizagem ocorrem de forma concomitante. Há teorias que dizem até que essa relação se dá mais ou menos como uma forma de reflexo. Isso mesmo, reflexo. É como se o ambiente demandasse uma resposta. Por reflexo, damos essa resposta e ela se torna um aprendizado para nós. A partir desse dia, essa resposta foi "internalizada" e ela se dá conforme o desenvolvimento ocorre. Fases diferentes demandam reflexos ou respostas diferentes, o que deixa a prendizagem cada vez mais complexa.

Por último, há a teoria de que desenvolvimento e aprendizagem estão intimamente ligadas, mas o aprendizado é que puxa o desenvolvimento. As teorias de Vygostsky sustentam que o indivíduo não precisa ter alcançado uma fase do desenvolvimento específica para conseguir aprender algo.

Todos temos um desenvolvimento real, que é tudo aquilo que já aprendemos e conseguimos realizar sozinhos. Todos temos também um desenvolvimento potencial. Tudo aquilo que poderemos alcançar de alguma forma e tornar desenvolvimento real um dia. A distância entre ambos foi nomeada como Zona de Desenvolvimento Proximal.

Qualquer ser humano, com o auxílio de mediação, seja de um adulto, seja de outra pessoa um pouco mais experiente, consegue transformar sua experiência social em aprendizado. É disso que a ZDP fala. Essa mediação pode ser fundamental para que essa aprendizagem ocorra. E o melhor disso tudo é que o indivíduo se apropria do que foi aprendido e o transforma em desenvolvimento real.

Voltando tudo isso para o assunto de inclusão, não seria plausível concluir que quando aplicamos rótulos a pessoas com necessidades especiais, estamos ignorando todo o conceito de ZDP? Quando um laudo é feito, detalhando tudo o que o indivíduo é incapaz de fazer, não estamos fadando o sujeito a uma posição estável para o resto da vida? O que a inclusão pode fazer para que isso não ocorra? Será que colocar um aluno de inclusão dentro de uma sala de aula, tendo em vista apenas suas dificuldades e tudo o que ele nunca conseguirá fazer é realmente incluír?


Mais detalhes sobre essa reflexão em breve....

terça-feira, 31 de março de 2009

A inclusão e os portadores de necessidades especiais • The inclusion and special needs


O conceito "portador de necessidades especiais" só passou a ser usado, para designar pessoas que necessitam de uma atenção maior por qualquer limitação ou condição que venha a trazer uma dificuldade em algumas atividades, quando se percebeu que esses portadores possuem alma como todos os seres humanos do mundo. Antigamente, falar em "idiotas" ou "deficientes" ou até mesmo "excepcionais" era falar de uma faixa da população que devia ser isolada dos demais, que era incapacitada de se desenvolver de forma "normal" e, portanto, devia estar aqui por algum castigo, possessão, etc. Esse pessoal incluía pobre, ladrão, prostituta, "degenerados", loucos, "idiotas". Toda a massa excluída e "anormal" da sociedade tinha que ser isolada.
Não é difícil se pensar, portanto, que se não havia uma legislação brasileira que garantisse educação (no mínimo primária) para todos, não havia essa garantia para essa faixa excluída da sociedade. Com o avanço industrial no Brasil, com a demanda de trabalhadores, com a chegada de uma grande população rural para o espaço urbano, foram percebendo a quantidade de analfabetismo existente no país e como a educação pode ser importante para o desenvolvimento de uma sociedade produtiva. Começou um movimento médico higienista e pedagógico que tomava conta tanto dos espaços familiares quanto dos espaços escolares. O ideal era a "produção" de um homem "limpo", num modelo capitalista para suprir as necessidades produtivas do país, um homem ativo, branco, heterossexual, desprovido de problemas mentais e físicos.
Algumas instituições para excepcionais (e esse termo já caiu em desuso) foram abertas no Brasil há muito tempo. Mas as escolas só começaram a admitir essas pessoas depois de muito tempo. Ainda assim, o conceito de segregação continuava ativo: os normais deviam ficar de um lado, os anormais de outro. Essa pedagogia médica influenciou o contexto escolar trazendo um conceito de que já que os portadores de necessidades especiais tinham dificuldades e limitações, eles precisavam de estudos e atenções diferentes, logo, era preciso abrir uma turma especial para eles. Ainda que no mesmo espaço físico que os demais, os portadores de necessidades especiais permaneciam em segregação, em discriminação e exclusão.
Apenas em 1946 foi dada à União a capacidade de criar leis que incluíssem o direito à escolarização. Mas apenas em 1961 foi criada a primeira lei com esse objetivo. Foi a Lei de Diretrizes e Bases que dava o direito à matrícula para todas as crianças no ensino público e gratuito. Desde essa época até 1996, quando foi criada a LDBEN, houve um crescimento acelerado na área da educação, mas o que se percebia era que apenas as instituições privadas lidavam com os casos mais severos de deficiências. As instituições públicas continuavam lidando apenas com os casos mais leves. O movimento educacional, por isso, foi movido muito mais por uma iniciativa privada do que por uma iniciativa pública.
Quando o portador de necessidades especiais passou a ser pauta nos assuntos educacionais, começou o uso do termo "inclusão". Mas o que é inclusão?
Será que apenas tirar o portador de uma classe especial significa incluír? Ou será que colocá-lo dentro de uma turma com todos os tipos de condições e negligenciar atenção especial é inclusão?
Dizer que "todo cidadão tem o direito à educação igual para todos"é uma intenção legal ao se falar em inclusão, mas também ingênua. É claro que portadores de necessidades especiais terão dificuldade em acompanhar plenamente o ritmo da turma, é claro que nem todo material será apropriado para eles, é claro que a estrutura física da instituição não será sempre a adequada. Então educação para todos, sim. Educação igual, não.
A inclusão deve existir tendo consciência de que ainda há diferença. O portador de necessidades especiais deve ter o direito de participar de turmas convencionais, mas também deve ter o direito a um atendimento diferenciado. Os profissionais devem estar capacitados para saberem lidar com a situação, o material deve ser apropriado para cada tipo de deficiência, a estrutura física escolar deve ser diferenciada e, mais que tudo, deve-se manter o pensamento de que ver o portador de necessidades especiais como um portador de limitações é negligenciar suas potencialidades. Rotular um portador como incapaz é dar as costas para a inclusão.
Tive a oportunidade de participar de um curso de extensão no SARAH esse semestre. Nós lidamos com crianças com lesões cerebrais. O projeto 5D, como é chamado, tem por objetivo trazer essas crianças para uma interação em que estão presentes jogos, desafios, estimulação motora e cognitiva. São deixadas de lado as limitações e as faltas e são trazidas as potencialidades. Ali, o propósito é manter igualdade, é promover uma interação em que nós aprendemos com eles e eles aprendem conosco. É uma microcultura composta por toda a equipe, por nós, pelas crianças, pela família e pelas atividades que exercitamos lá.
Essa vivência traz muita reflexão sobre esse conceito de inclusão. Apesar de parecer um sistema de "classe especial", o projeto 5D faz questão de integrar tudo o que está ao redor dessas crianças para não trazer a idéia de que elas estão sendo excluídas, que estão sendo encaradas como um grupo segregado. A filosofia ali dentro é a de esquecer as condições em que eles estão e interagir de forma plena, ajudando quando for necessário, mas entrando lá com o intuito de vencer muitos desses desafios. Isso eu posso chamar de inclusão. E é fascinante entrar no SARAH e perceber que já existe uma estrutura, que parece de outro mundo, exercitando esse conceito que devia ser global.
Acho que, ao falarmos de inclusão, a educação brasileira tem muito a aprender ainda. Mas percebo que as intenções estão num desenvolvimento acelerado e que é muito possível chegar onde se precisa para haver esse exercício.

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Esquizofrenia • Schizophrenia



A esquizofrenia é um caso mais grave de psicose cujas origens ainda não estão bem descobertas. Algumas pesquisas apontam para uma possível causa hereditária para a doença. Sabe-se que muitos fatores podem contribuir para o aparecimento da esquizofrenia, tanto sociais, quanto fisiológicos. Mas se a genética contribui para esse caso, provavelmente envolve uma quantidade considerável de genes para a manifestação da doença. Pois se pais esquizofrênicos tivessem filhos e o gene para a doença fosse dominante, necessariamente algum filho teria esquizofrenia. Também se imagina que algumas pessoas podem ter alguns dos genes responsáveis pela esquizofrenia, mas sozinhos não são suficientes para que a doença se manifeste. Essas pessoas podem ser suscetíveis ao desenvolvimento da doença, dependendo de outros fatores. As pesquisas estão avançando para a descoberta e podem chegar a responder qual a origem da doença e como ela ocorre.
A esquizofrenia se manifesta com dois tipos de sintomas. Compreendem-se por sintomas positivos os distúbrios de pensamento, a alucinação e os delírios. Esses sintomas estão relacionados a problemas dopaminérgicos, ou seja, bioquímicos. Embora ainda não se tenha a resposta concreta para o que, exatamente, ocorre com o neurotransmissor ou com os seus receptores, para que os sintomas ocorram. Já os sintomas negativos relacionam-se com uma lesão cerebral, como ausência de "comportamentos normais", monotonia da resposta emocional, pobreza de discurso, incapacidade de vivenciar prazer e isolamento social. Esses sintomas se manifestam também em outras patologias que se caracterizam por lesões cerebrais, principalmente nos lobos frontais.
A hipótese dopaminérgica vem para tentar explicar os sintomas positivos da doença. Muitos medicamentos foram produzidos para diminuirem os sintomas da esquizofrenia e todos eles possuem uma propriedade em comum: bloqueiam os receptores de dopamina, um dos neurotransmissores produzidos pelos neurônios. Um desses medicamentos é a clorpromazina, que alivia os sintomas positivos e traz uma boa mudança na atitude dos pacientes diminuindo ou até exterminando a taxa de delírios e alucinações.
Não se sabe ainda se os problemas dopaminérgicos se dão pela hipersensibilidade dos receptores, pela grande produção de dopamina, pela quantidade muito pequena de receptores ou por qualquer outro motivo. O que se sabe é que a clozapina, uma droga muito utilizada para o tratamento da doença, atua muito mais em receptores D3 e D4, localizados no núcleo acumbens do que nos receptores D2, localizados no neoestriado (algumas drogas atuam nesses receptores). A diferença é que muitas das drogas que atuam nos receptores D2 trazem efeitos colaterais muito parecidos com os da doença de Mal de Parkinson como lentidão dos movimentos, fraqueza e falta de expressão facial. Mas algumas podem ser responsáveis por um problema motor chamado discinesia tardia, que se caracteriza por um retardo dos movimentos, com tiques faciais, protusão da lingua, franzimento dos lábios e até contorção das mãos e do tronco em alguns casos.
Essa doença é instigante e ao mesmo tempo assustadora. Como deve ser ter alucinações auditivas ou delírios tão fortes a ponto de sentir que há alguém te perseguindo o tempo todo?
De onde ela vem e por que algumas pessoas são suscetíveis aos sintomas mais fortes da doença?