quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Gênero e violência conjugal • Gender and domestic violence



É milenar a história da vitimação feminina à visão hierárquica do patriarcado, que sempre colocou a mulher em uma posição de subordinada e passiva, diante de um poder masculino sempre ativo e disciplinador. Podemos chamar de gênero o papel que homens e mulheres têm na sociedade, e papéis de gênero, as atividades, comportamentos e funções atribuídas a eles.
Os papéis de gênero estão nitidamente retratados no nosso cotidiano nas mais variadas formas. A sociedade brasileira ainda carrega consigo um imaginário machista que se reflete desde a vivência dentro de casa, com a nossa educação de berço, até na consolidação da justiça, que teoricamente deveria privar por direitos iguais e justos. Apesar de muito ter mudado ao longo do tempo, inclusive com o movimento feminista, que conquistou um espaço fundamental nas políticas públicas e na reflexão social, infelizmente ainda se vive uma discriminação muito grande no que diz respeito à vivência feminina, em todas as dimensões.
É nítido o modelo educacional brasileiro passado de geração para geração. Desde crianças somos instruídos a ver o papel de homem e mulher muito bem consolidado, com regras, valores e idealizações bem limitados. As meninas aprendem a ver o mundo como um espaço que demanda uma postura materna, um preparo físico e emocional para ser reprodutora, dona de casa e boa mulher. Os meninos aprendem a se ver como provedores de uma vida familiar, estimulados a investirem em carreiras profissionais, a virarem seus olhares para o universo público. Esses papéis de gênero não são internalizados somente por meio da educação de casa, todos os meios de comunicação contribuem para a perpetuação desses ideais, mesmo que de forma indireta, moldando cabeças e instruindo condutas e atitudes perante uma sociedade que deveria ser totalmente heterogênea. Quantas vezes não vimos propagandas na televisão, retratando o contexto familiar e utilizando a imagem da mulher ora como uma dona de casa dedicada, ora como um pedaço de mau caminho, totalmente sedutor e perigoso? Quantas vezes não vimos em revistas femininas páginas e mais páginas estimulando cada vez mais o pensamento amedrontador da mulher, produzindo cada vez mais pensamentos machistas e debilitantes, do como agir em sociedade, o que fazer e o que não fazer diante de certas situações?
Toda essa visão da mulher como um ser frágil e submisso colabora para as relações de poder que se formam, quase que naturalmente, dentro de interações homem - mulher. Seja dentro da família com o pai sendo o centro disciplinador, seja dentro de relações afetivas, em que o cônjuge permanece em um papel ativo e dominador, seja no contexto do trabalho, em que homens exercem cargos de alto poder.
Muito provavelmente , essa internalização do poder masculino seja o principal fator que colabore para a ocorrência de tantos casos de violência conjugal, em que a mulher pode estar submetida, realmente, a uma relação de dominação e por simplesmente não poder se defender sozinha. O que se tem percebido é uma dificuldade de traçar um perfil de agressor, demonstrando que pode não existir uma padronização de comportamentos e de condutas masculinas que caracterizem esse quadro. Boa parte dos agressores é constituída por homens de classe média, com boa instrução e sem históricos prévios de violência. Então o que exatamente faz com que situações como essas ocorram?
Pesquisas têm demonstrado que homens tendem a praticar violência em momentos de raiva, reagindo a algum pensamento destrutivo em relação à mulher. Apesar de não haver um perfil muito bem determinado, há sinais prévios que demonstram ciúme e proteção exagerada por parte do homem, além de outros episódios de violência psicológica, normalmente muito difíceis de serem detectados. Talvez uma melhor pergunta gire em torno do motivo pelo qual tantas mulheres permanecem submetidas a relações conjugais violentas e por que parece tão difícil ter atitudes que decidam de uma vez por todas por acabar com esse ciclo de agressividade. Alguns dos vários motivos que as mulheres apontam para não denunciarem algum ato de violência dizem respeito ao medo de reagirem à agressão e passarem por algo muito pior posteriormente. Há mulheres que tendem a ver o ato de agressão como algo naturalizado, o pensamento de que é normal se esperar de um homem atitudes violentas, sinal de uma compreensão de papéis de gênero muito provavelmente passada por outras gerações. Há mulheres que preferem se submeter a relações conjugais violentas para protegerem seus filhos, para manterem a dinâmica familiar e também por relatarem amarem seus cônjuges e não verem o ato violento como algo de muita importância.
É importante se dizer que qualquer relação de violência, seja ela envolvendo homens agressores e mulheres vítimas, seja ela envolvendo homens como vítima e mulheres como agressoras, envolve uma interação dinâmica que precisa ser compreendida. O acolhimento é um procedimento de altíssima importância em qualquer um dos casos, pois terá um papel protetivo e preventivo, possibilitando até a resolução de problemas conjugais, centrais nesse contexto de violência.
Outra questão que pode ser levantada acerca do tema diz respeito aos diversos casos de violência conjugal praticamente inacabados e sem proteção nenhuma por parte do Estado. Apesar de a Lei Maria da Penha ter sido consolidada há alguns anos, ainda se pode ver posturas extremamente machistas no contexto jurídico, que acaba por transformar a agredida em transgressora, levantando motivos totalmente descabidos para justificar a atitude agressiva do cônjuge e tomando decisões que não visam a proteção da vítima, possibilitando novos episódios de agressão.
As discussões acerca dos papéis de gênero e das relações de poder são tópicos cada vez mais crescentes. Há ainda uma grande necessidade de reflexão acerca do tema para se levantar melhores idéias e posturas que podem gerar melhores acolhimentos e decisões protetivas. Compreender os motivos que levam uma relação a se estabelecer como uma interação de poder e violência é fundamental, mas saber como agir nessa situação, dando apoio à vítima, buscando a compreensão dessa dinâmica relacional e tomando decisões corretas que visem a prevenção de novos episódios violentos é ainda mais importante.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A memória • The memory



O que exatamente está envolvido no estabelecimento de memórias? Que áreas cerebrais subsidiam a aquisição de novas lembranças e a recuperação de fatos armazenados há algum tempo? Porque lembramos e esquecemos de tanta coisa? O que acontece quando sofremos lesões e temos amnésias?
A memória é um assunto de pesquisa tão complexo, que são necessárias páginas para se dissertar exatamente sobre tudo a respeito do tema! Mas existem alguns conhecimentos importantes e básicos sobre o assunto que podem ser explorados, trazendo um gostinho a mais de se pesquisar mais a fundo sobre esse assunto misterioso da vivência humana.
Bem, a memória é um fator da cognição ligada a vários outros fatores, essenciais para a nossa existência e interação. A memória está relacionada à aquisição da aprendizagem, consequentemente relacionada à resolução de problemas. Desde a aprendizagem sensorial, envolvendo o reconhecimento de estímulos ambientais, a nível tátil, auditivo, visual, até a aprendizagem semântica, envolvendo a construção linguística e fonológica, chegando à aprendizagem procedural, envolvendo o "saber como", as etapas necessárias e específicas para se realizar uma atividade e se resolver um problema.
A memória se configura em três formas. É a partir da memória sensorial que entramos em contato com os estímulos ambientais e armazenamos informações por um curto período de tempo. Nesse período, estamos nos utilizando da memória de curto prazo, que foi substituída pelo conceito de memória de trabalho. Essa memória é limitada e serve para que possamos realizar alguma tarefa, utilizando essa informação e conhecimento brevemente armazenados. Se criamos um acesso frequente a memórias de trabalho ou de curto prazo, elas podem vir a ser memórias de longo prazo, praticamente definitivas e passíveis de recuperação a qualquer momento. A memória de longo prazo contém lembranças inesquecíveis sobre fatos da vida, além de algumas outras informações que podemos até perder com o passar do tempo. Ela também pode ser dividida entre memória declarativa e não- declarativa. A primeira, diz respeito a toda a memória de que temos consciência, que podemos acessar tentando apenas resgatar uma informação. A segunda diz respeito às memórias inconscientes, que resgatamos inconscientemente, de acordo com estímulos e situações ambientais.
A memória declarativa pode ainda ser definida como do tipo episódica ou semântica. A primeira diz respeito à lembrança de episódios organizados no tempo. Como a lembrança de o que comemos no café da manhã, quais procedimentos e em que sequência tudo ocorreu. A segunda diz respeito à memória de significação, envolvendo palavras, números, códigos, etc.
Sabe-se que existe uma área cerebral responsável pela memória: o hipocampo. Mas foi a partir de estudos significativos que chegaram à conclusão de que o hipocampo não é responsável por todo tipo de memória. H.M. foi um paciente que passava por um quadro de epilepsia e passou por uma intervenção cirúrgica a fim de aliviar os sintomas da doença. Ele teve seus lobos temporais mediais bilateralmente retirados, o que facilitou o controle dos sintomas da epilepsia com o uso de fármacos, mas trouxe uma amnésia anterógrada grave associada a uma amnésia retrógrada leve. Amnésia anterógrada é uma incapacidade de lembrar e armazenar memórias após a cirurgia. Ou seja, H.M. ficou incapacitado de obter novas memórias depois que passou pelo procedimento, conseguindo apenas efetuar rápidas atividades, com o uso da memória de curto prazo. Amnésia retrógrada é uma incapacidade de lembrar memórias obtidas antes da cirurgia. H.M. teve uma amnésia retrógrada leve pois ficou incapacitado de lembrar de fatos que ocorreram alguns anos antes da cirurgia, mas era capaz de lembrar de vários fatos da infância, além de se lembrar de aprendizagens como falar, efetuar cálculos, vestir-se, entre outras coisas.
H.M. teve seu hipocampo comprometido por conta dessa cirurgia, o que levou os pesquisadores a pensarem que essa área está responsável pelo sistema de aquisição de novas memórias e, consequentmente, de novas aprendizagens. Criou-se então uma teoria de que o hipocampo recebe informações de outras áreas cerebrais, como núcleos da base a amígdala, e as modifica, transformando memórias de curto prazo em memórias de longo prazo. Mas não se sabe ainda quais áreas cerebrais estão ligadas ao armazenamento definitivo dessas memórias de longo prazo. Apesar de H.M. ter tido comprometimento de algumas informações de longo prazo, ou seja, ter apresentado uma amnésia retrógrada leve, ele ainda mantinha memórias remotas muito fortes. O que possibilitou que isso acontecesse?

terça-feira, 20 de julho de 2010

Mente e corpo • Mind and body


Seria muito ingênuo por parte do homem se ele pensasse que mente e corpo estão separados, no sentido de que podemos traçar linhas imaginárias limitando o que é palpável pela ciência e o que é misterioso, admitindo que um não interfira no outro.
A Psicologia é uma ciência extraordinária porque trouxe o questionamento acerca do que realmente se deve prestar atenção e a resposta foi enormemente diversificada. Podemos ver estudos que focalizam o contexto inconsciente da psique, vemos estudos com animais em laboratório, vendo comportamentos responsivos a fármacos e mapeamentos cerebrais, vemos estudos sociais, envolvendo conduta, motivação, pensamentos em conjunto. Enfim, como ver o universo humano como algo único e simples, se fazemos parte dele e, por experiência própria, sabemos que estamos longe de realmente entendermos sobre tudo?
As psicopatologias são interessantíssimas porque trazem o paradoxo mente-corpo para as discussões. Dependendo da linha que se segue, a visão de um Transtorno de Ansiedade Generalizada poderia ser, simplesmente, uma reação agonizante diante de conflitos do ego, por exemplo. Ou, por outro lado, reações químicas cerebrais que ocorrem a partir de interações corporais com eventos e estímulos ambientais que se tornaram aversivos.
Bem, para mim, não podemos separar a mente do corpo quando falamos em psicopatologias, pois elas compreendem um universo sintomatológico de origens diversas. É como pensar em uma pessoa com obesidade mórbida. Ela se colocou nesse quadro por uma questão genética, ou por costumes alimentares compulsivos? Se pelo segundo, será que são questões culturais ou de criação ou por questões puramente emocionais? Se ela alcançou a obesidade mórbida e sofre com isso, o que a impede de perder peso e voltar a ser saudável? São limitações físicas ou psicológicas? Ambas! Há vários motivos para se acreditar que uma pessoa tenha tendência genética a ganhar peso. Mas para chegar a um quadro de obesidade mórbida, pensa-se que, no mínimo, existam fatores emocionais fortes, que facilitam a compulsão e finalizam em uma situação de alta periculosidade.
O mesmo podemos falar sobre estresse exagerado. As situações cotidianas nas quais nos envolvemos, preocupações, pressões sociais, responsabilidades, dores de cabeça dos mais variados tipos, até acontecimentos que fogem de nosso controle como uma morte de alguém, um divórcio, uma demissão... Tudo isso colabora para situações tão estressantes em nossas vidas, que às vezes passam despercebidas. Há situações que fogem tanto de nosso controle, que se tornam patológicas. É muito fácil uma pessoa se tornar depressiva diante de uma situação estressora, da qual há um enorme quadro de frustração. E diante disso, vemos reações neurobiológicas muito delicadas, que dão respaldo para as suspeitas psicológicas. Se não houvesse uma correlação mente e corpo, por que um paciente com Transtorno Depressivo Maior apresentaria quadros de insônia, perda de peso e amnésia anterógrada? Por que um estresse patológico faria cair cabelos, perda de apetite? Nossa mente está tão interligada com nosso corpo, que mal temos a noção do quão importante são nossos pensamentos e motivações diante de uma doença aparentemente fisiológica.
Esses questionamentos têm importância seríssima no enfrentamento de situações em que não há muito que se fazer. Um doente terminal, diante de uma quase morte, possui alta probabilidade de se fechar em um quarto, deprimido, porque não consegue lidar com o fato de estar prestes a se despedir do mundo. Talvez o próprio prognóstico da doença tenha uma melhora significativa se o paciente passar por um processo motivacional, que o anime a lutar até o resto de seus dias, com alegria, satisfação.
Podemos falar, também, do efeito placebo. Esse feito nada mais é do que uma influência psicológica para várias questões de saúde. Não é simplesmente usar uma pílula de farinha, totalmente enganosa, para fazer alguém acreditar em um tratamento. O efeito placebo já está comprovado e demonstra o quão forte está o pensamento e a motivação, por cima de quase tudo aquilo que nos parece físico e incontrolável.
O fazer psicologia é extraordinário porque nos abre portas teóricas e metodológicas imensas. Mas para todos aqueles que têm curiosidade ou que se iniciarão nessa ciência, talvez seja importante manter suas visões abertas. A ciência não deve se limitar àquilo que só conseguimos apalpar. A ciência está longe de responder tudo o que perguntamos e precisamos ser ousados. O que posso concluir, agora, é que mente e corpo mantêm uma ligação tão íntima e tão forte, que mal podemos imaginar o poder que nossos pensamentos têm sobre nós mesmos. Muitos estudos ainda podem ser feitos sobre o assunto. Ser um psicólogo consciente é saber que há muito ainda a se conhecer.

quarta-feira, 28 de abril de 2010

Depressão, o Transtorno Depressivo Maior • The Major Depressive Disorder



A Depressão tem se tornado a doença do século. Talvez seja muito importante se perguntar por que isso está acontecendo. Eu diria que podemos listar diversos fatores que poderiam contribuir para a ocorrência cada vez maior de depressão nas pessoas, nas mais variadas idades e classes sociais. Mas é realmente muito difícil generalizar, cada pessoa possui seu universo emocional e cada pessoa terá sua angústia apoiada em um motivo ou vários motivos específicos.
O Transtorno Depressivo Maior, como é chamado, é um transtorno de humor bastante estudado por especialistas ultimamente. Sabe-se que pode existir algum fator neuroquímico envolvido, como falta do neurotransmissor serotonina agindo no organismo. Mas acredito que a depressão possui um fator muito mais ambiental do que químico, além de genético.
Neste transtorno o que mais se observa é um humor deprimido muito frequente e, aparentemente, sem muitos motivos. A pessoa fica chorosa, desanimada, sonolenta, sem energia para fazer as coisas e costuma se culpar muito por vários motivos. O misterioso é que muitas vezes as pessoas deprimidas sabem que tem algo errado acontecendo, sabem que o motivo para estarem assim é desconhecido, sabem que precisam de ajuda, mas nem para isso se motivam. Poderia dizer que um paciente em depressão encontra-se enjaulado, porque ele tem consciência do sofrimento pelo qual está passando, gostaria muito de ser ajudado, mas está em uma desilusão muito grande, normalmente não acredita que possa melhorar, que suas angústias possam ir embora e começa a se sentir inútil e culpado pela situação ou por diversos outros acontecimentos em sua vida.
É muito comum encontrar em pacientes deprimidos a vontade de tirar a própria vida. De acordo com o DSM-IV, um dos principais livros diagnósticos seguidos por profissionais da saúde, a ideação suicida ou idéias sobre morte é um critério fundamental para se diagnosticar o transtorno. Esse critério pode, inclusive, mudar a perspectiva do profissional diante do paciente, o prognóstico pode ficar mais complicado e a internação pode ser uma solução imediata.

Em uma pesquisa que realizei na universidade discutimos a percepção da dor em pacientes com depressão. Um dos tópicos que chamam a atenção é a comorbidade da fibromialgia com a depressão. A fibromialgia é uma doença que normalmente atinge mais mulheres do que homens, ela se caracteriza por dores generalizadas, sem causas orgânicas aparentes. Os pacientes se queixam de sentirem dores no corpo todo e, quando submetidos a exames médicos, não são encontrados motivos fisiológicos para suas dores. Os médicos, então, rotularam a fibromialgia como uma doença psicossomática, quer dizer, uma doença que possui aspectos psicológicos com interferência em aspectos físicos. Por isso é muito comum encontrarmos pacientes com fibromialgia carregando também um humor deprimido e o contrário também! A pergunta é: o que veio primeiro? O paciente adquiriu fibromialgia por conta de sua Depressão ou o paciente se tornou deprimido por conta da fibromialgia?


Sobre os tratamentos para a depressão existe uma discussão quase infinita. Os psiquiatras receitam frequentemente anti- depressivos fortes (tarja preta), além de remédios para auxiliarem o sono, que acabam causando dependência. Há alguns terapeutas que defendem que muitos casos de depressão não precisam do auxílio de remédios. O que seria o mais indicado para o tratamento da doença?
Eu levo comigo a opinião de que todas as terapias existentes podem dar um grande auxílio ao paciente, mas elas dependem da adesão do paciente e do interesse dele em ficar melhor. Qualquer terapia, investida de fé e esperança por parte do paciente, pode tirá-lo desse quadro de sofrimento, desde que bem feita, é claro. Acredito também que existem várias atividades diárias que podem ser feitas para auxiliar o tratamento. Estão sendo feitas pesquisas que abordam o uso da dança, da pintura, da fotografia, ou seja, das artes de forma geral, para a cura da depressão. E elas realmente podem ajudar. São métodos que mexem não só com o processo emocional do paciente, que pode usá-los para se expressar e de certa forma desabafar, como mexe com a auto-estima. Já nos casos mais severos da doença, em que se percebe por exemplo uma ideação suicida muito forte, acho que a intervenção química é muito importante, porque afinal de contas, sabe-se que o déficit de serotonina no organismo traz consequências de muito sofrimento para o paciente. Os anti-depressivos, então, dariam uma ajuda quase imediata para o sofrimento, impedindo que o paciente cometa um suicídio.


Eu poderia resumir esse quadro dizendo que a Depressão é uma doença muitas vezes negligenciada pela própria família do doente, ou até por outras pessoas do convívio social. Na atualidade, é muito comum ver pessoas sempre muito estressadas e preocupadas com a vida, quase sempre carregando um humor deprimido e, então, quando se trata de um caso sério, como o Transtorno Depressivo Maior, muitas pessoas não conseguem discriminar a doença, no sentido de acharem que faz parte da vida, que é comum se sentir triste de vez em quando e esperam que o tempo faça a sua parte. Infelizmente, não são todos os pacientes que têm uma melhora significativa com a passagem do tempo e acabam tirando suas vidas por se sentirem sozinhos, desiludidos, sem perspectiva nenhuma sobre a própria existência.
De qualquer forma, humor deprimido persistindo por muito tempo é sinal de que algo não vai bem. A família e o apoio social nessas horas é muito importante para a recuperação. Nunca deixe de pedir ajuda ou procurar ajuda nessas condições, a depressão tem cura e pode mudar muitas vidas.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Da família à marginalização • From family to marginalization


O conceito de família não é muito antigo. Faz pouco tempo que essa unidade consanguínea passou a ser vista como uma base indissociável da vida, com a valorização dos papéis sociais de cada integrante, da proteção aos menores, do acompanhamento e fonte de apoio aos membros. Com o advento do capitalismo, das Revoluções Industriais, do avanço da tecnologia, da nova economia mundial, o foco social passou a ser "criar" um homem que desse conta dessa competitividade e que tivesse sucesso no que se empenhasse em fazer, trazendo lucros e resultados. Isso quer dizer que o foco social deixou de ser o de simples subsistência e, se posso chamar, o de tranquilidade e passou a ser uma corrida incessante por produção, por ação direta. Tudo o que gira em torno de um humano bem-sucedido, feliz e produtivo diz respeito ao seguimento desse modelo social estabelecido. Nos últimos anos, tem-se notado uma modificação e heterogeneidade de conceitos acerca de felicidade e auto-realização, e também em torno do conceito de família. Na nova era dita anteriormente, a família passou a assumir um papel importantíssimo na formação do ser. A escola, os médicos e a família eram os agentes fundamentais de "produção" de um homem ativo para a sociedade. Ao mesmo tempo, a família ia adquirindo um molde. Ela passou a ser necessariamente vista como um padrão constituído por uma figura paterna, uma materna e filhos. Foi chamada de família nuclear e até hoje permeia as mentes de muitas pessoas por aí. Não é loucura se dizer que a família nuclear, nos tempos de hoje e até há algum tempo atrás, já não se constitui mais como nuclear. Bases familiares estão sendo construídas das mais diversas formas e estão sendo reconstituídas também. Uma família que pode ter iniciado nuclear, encontra uma separação dos pais, que se casam novamente ou simplesmente dividem os filhos, ou a convivência com eles. Algumas famílias já se formam diferentemente, com mães solteiras, mães adolescentes e avós, pais solteiros e até famílias homossexuais, que têm gerado discussões acerca da adoção para a parentalidade gay. Enfim, não há mais como defender a família nuclear como um modelo ideal. Nas condições culturais e sociais atualmente, é normal ver famílias sendo construídas dessas formas diversas e tendo plena felicidade como qualquer outra.
Ainda falando de família, e tendo-a como unidade fundamental para a formação da criança e do adolescente, podem-se discutir questões sociais de emergência que têm colaborado muito para o advento ou para o crescimento de situações de perigo envolvendo essas crianças e adolescentes. Estou falando das condições de vida a que muitas famílias estão submetidas, trazendo uma questão sistêmica. O convívio dos membros fica alterado, o bem-estar familiar fica alterado, a visão de mundo e a perspectiva de futuro da família ficam anteradas. A miséria, por exemplo, que assombra várias famílias brasileiras, traz a desesperança aos pais de diversas crianças e adolescentes acerca de como educá-las, como dar a elas subsídios para a sobrevivência. Evidenciam-se abandonos, condições cada vez mais precárias de vida, ausência de escolarização para os filhos, o que resulta em uma sobrevivência à margem da sociedade.
Sem uma família, ou sem condições internas que segurem uma criança emocionalmente e fisicamente, o menor "cai na vida". Em que lugar desse país não são vistas crianças nas ruas, em péssimas condições de sobrevivência, pedindo dinheiro, roubando, cheirando cola? Isso é apenas o mínimo do que ocorre com essas pessoas. Uma mente ainda não totalmente estruturada como a de uma criança que mal teve bases familiares para se formar como cidadã, possui ideais de ganho de vida ou de sobrevivência que perpassam a moral ou os direitos alheios. Para uma criança violentada, abusada, abandonada, que está acostumada a ver uma vida de desgraça de perto, matar ou roubar os outros não é nada.
Talvez devêssemos parar para nos perguntar o que essas crianças estão sentindo ou pensando quando batem à nossa janela do carro pedindo alguma ajuda. Talvez a reação ou a resposta mais fácil seja fechar o vidro, continuar olhando pra frente ignorando-as, dizendo que não tem dinheiro, da forma mais ríspida possível. O preconceito e o descompromisso das pessoas com essas questões é um dos fatores que mais colaboram para a continuação dessa exclusão social e desse crescimento da marginalidade. É claro que crianças e adolescentes que se percebem negligenciadas pela sociedade são tomadas por raiva e desespero e tendem a se tornar cada vez mais agressivas ou tendem a se entregar a uma sobrevida, até o dia em que não tiverem mais o que fazer.
Que dia serão feitas políticas públicas que tragam resoluções para essas pessoas? Que dia serão feitas intervenções nas famílias em crise? Que dia poderemos pegar na mão dessas crianças e desses adolescentes e levar para instituições onde terão extremo apoio, escolarização e saúde? Instituições de verdade, que tenham um sistema organizado, bem diferentes das já existentes atualmente.
Acho que há muitas pessoas com idéias e ideais brilhantes por aí, mas estão contempladas por um desamparo aprendido, vendo que todo o resto da sociedade simplesmente não liga ou não quer se responsabilizar por algo do gênero. Antes de tudo, precisávamos ver o próximo como um ser humano semelhante, ver as crianças como seres que precisam de apoio e de instrução e ver que o futuro de um país inteiro, não somente o meu ou o seu futuro, depende de como todas essas pessoas construirão suas vidas.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Aptidão mental em concursos públicos • Mental requirements for public services


Não é novidade se falar em exames de aptidão física e mental em Concursos Públicos atualmente. Mas será certo avaliar os candidados em relação a um critério que pode ser completamente enviesado ou subjetivo, em se falando de aptidão mental? Será que está previsto em lei selecionar pessoas com características previamente escolhidas para o exercício de um cargo público específico?

A Constituição Federal, ao dispor sobre os Concursos Públicos, afirma o seguinte:
"Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
I - os cargos, empregos e funções públicas são acessíveis aos brasileiros que preencham os requisitos estabelecidos em lei, assim como aos estrangeiros, na forma da lei;"

Ou segundo o O Estatuto do Servidor Público Federal, lei n.º 8.112, de 11 de dezembro de 1990, em seu art. 5º:
"Art. 5º São requisitos básicos para investidura em cargo público:
VI - aptidão física e mental."


Os exames psicotécnicos, como são chamados, constituem em baterias de testes psicológicos, entrevistas, dinâmicas em grupo entre outras atividades que tragam resultados concretos sobre uma aptidão mental do candidato ao exercício do cargo, seja ele qual for. Esse exame é de realização restrita ao psicólogo, ou estagiários de psicologia supervisionados por psicólogos experientes. Mas o que é teste psicológico? Segundo o Conselho Federal de Psicologia, teste psicológico "se define como sendo uma amostra objetiva e padronizada de um comportamento, cuja função implica em mensurar diferenças entre indivíduos e suas reações, em situações diversas". No contexto de seleção em Concurso Público, o psicotécnico vem a "medir" aspectos que terão extrema importância na carreira. Pode-se, por isso, desclassificar um candidato que apresentou desempenho inquestionável na prova objetiva mas, no exame psicológico, manifestou características de personalidade ou desempenhos intelectuais em níveis insatisfatórios para o previsto para o cargo. Esses exames têm encontrado muita resistência, pelo questionamento acerca da possibilidade de encerrarem em métodos muito subjetivos e incompletos de se avaliar uma pessoa como um todo. É importante se ter em mente que testes psicológicos, sozinhos, não são capazes de predizer totalmente uma candidato. É necessária uma investigação completa e profunda. Outro fato a ser lembrado é que, por lei, nenhum candidato pode ser discriminado ou excluído da possibilidade de exercer um cargo, caso a instituição avaliadora esteja procurando um perfil específico e fechado, para um cargo público. Talvez isso seja permitido em um âmbito empresarial privado. Mas não para um cargo público. A aptidão mental talvez tenha implicações devastadoras aos candidatos que manifestem desequilíbrio ou características extremamente prejudiciais, dependendo das circunstâncias. Mas como saber se os exames foram feitos de forma correta? Como saber se o psicólogo examinador esteve desprovido de estereótipos e preconceitos pessoais ao avaliar os candidatos? Foram asseguradas as condições de isonomia e padronização dos procedimentos?

Ao pesquisar sobre o assunto, a pedido do Thiago, encontrei um relato de um candidato à Academia de Polícia Militar. Pelo dito, fica claro que o psicotécnico para esse cargo avalia pontos como inteligência (em suas diversas esferas), raciocínio verbal, abstrato, atenção concentrada, entre outros e, também, avalia a personalidade do candidato, utilizando testes projetivos, que levantarão características de conduta, personalidade e emocional. Por fim, ainda são citadas características incompatíveis para o exercício do cargo, como atitude defensiva, rebeldia, falta de energia, agressão, temperamento explosivo, entre outros. Uma outra etapa da avaliação seria observar o candidato em grupo, avaliando se ele possui facilidade em atuar em grupo e em desenvolver estratégias para lidar com situações- problema. Já na entrevista individual, o psicólogo finalizaria sua investigação, depurando os dados já obtidos anteriormente.

De forma resumida, o psicotécnico para a Polícia Militar, teoricamente, envolve uma cadeia de avaliações, em âmbitos diferentes, para se chegar a uma conclusão eficiente e segura. O que é muito importante. Alguns aspectos poderiam ser questionados ao analisar essa forma de avaliação. Por exemplo, não consigo parar de pensar que os candidatos se sentem intimidados e completamente inseguros com esse tipo de "prova". Apesar da padronização e isonomia do processo, tenho certeza que os candidatos se sentem inseguros e muito suscetíveis a "fazerem besteira", comportarem-se de forma estranha ou não conseguirem cumprir atividades da melhor maneira possível. Talvez esse desafio também seja uma provação para o candidato que, preparado para lidar com situações- problema, encare o psicotécnico como algo possível de ser resolvido e executado com facilidade.

Felizmente, é dito que, teoricamente, os candidatos que tenham sido desclassificados por um psicotécnico têm todo um aparato profissional para tirarem suas dúvidas e esclarecerem o motivo da desclassificação. Isso acontece de fato?

Voltando aos aspectos avaliados, como definir inteligência e os diversos raciocínios? Como os testes psicológicos podem avaliar e trazerem resultados seguros acerca dessas instâncias?


Em seguida falarei mais sobre isso...