terça-feira, 27 de dezembro de 2011

O mal que habita em todos nós: reflexão sobre a psicopatia • The evil that dwells in us: reflecting on the psychopathy




Quantas vezes não nos deparamos com notícias escandalosas sobre crimes brutais cometidos das mais variadas maneiras, contra as mais variadas pessoas? Crimes que geram desconforto nacional e internacional, que abrem discussões em diversas esferas, magoam muita gente, impressionam, chocam, causam repúdio, julgamentos, movimentos de luta, perdas de sono...Surgem perguntas perturbadoras que não possuem respostas imediatas, como por que aquela pessoa foi capaz de fazer tal atrocidade, o que a levou a fazer isso, por que aquela vítima sofreu e qual a melhor vingança a ser feita.
Por outro lado, longe de um acontecimento que choca uma nação inteira, estão movimentos de divulgação da violência de uma maneira massiva, manifestados por veículos de comum acesso, perpassando nossos cotidianos sem ao menos termos noção e reflexão sobre eles. Querendo ou não, é através desses veículos que formamos opiniões, adquirimos uma parte de nossos conhecimentos, fundamos valores e aprendemos com experiências alheias. É também a partir deles que organizamos pensamentos hostis todas as vezes em que vemos notícias como as mencionadas anteriormente.
O ser humano é movido por violência. Ela está dentro de nós e é assim que ela é manifestada. Seja sentindo prazer ao assistir lutas pela televisão, ou ao praticá-las na vida real, seja indo ao cinema assistir sequências de filmes sangrentos, seja acompanhando o julgamento de uma pessoa que aparentemente merece todo o mal do mundo por ter feito mal a outra pessoa. De uma maneira ou de outra, aprendemos a ser assertivos desde pequenos, convivemos com várias fontes de agressão e violência, nos mais variados graus, e de certa forma somos capazes até de termos diversão a partir dela. Há até como falarmos da violência como uma característica inata, temos a capacidade de usá-la para nos defendermos, para defendermos um filho ou um familiar, observamos sua presença em comportamentos de outras espécies, ela está presente no nosso cotidiano, em nossas ações e em nossos pensamentos, de um jeito ou de outro.
A partir disso, é possível também se pensar acerca das capacidades que cada indivíduo possui de controlar sua própria violência, além do que essa violência significa para cada um, como ela se desenvolveu e em que esteve envolvida ao longo das experiências. Cada um de nós possui uma formação de personalidade e tendências desde o nascimento, nossos laços familiares, nossas convivências e aprendizados, nossas impressões e experiências boas e ruins, significações que fazemos acerca de nós mesmos e dos outros, formações de identidade, identificações, todos esses processos estão envolvidos intimamente com a forma como construímos esse conceito em nossa mente. Há crianças que vivenciam os mais variados tratamentos, desde a negligência e a violência explícita, física, emocional e sexual, até a superproteção e o fornecimento de um senso de onipotência. Se tudo isso acontece e favorece a formação de um ser em crescimento, além de basear significações que acompanham cada passo ao longo da vida, é plausível se imaginar que vários indivíduos possuem universos de experiências, sensações e sentimentos que organizarão todas as suas condutas dali para frente e isso pode estar completamente ligado ao controle emocional e à ação violenta.
Ao se falar em Psicopatia ou Transtorno de Personalidade Antissocial, há várias referências teóricas que trazem respostas prontas e fechadas sobre o tema. As mais utilizadas no meio médico e psicológico estão caracterizadas em manuais diagnósticos que possuem pouquíssima informação detalhada sobre cada sintoma procurado, o que faz com que a lista de critérios diagnósticos possam ser facilmente encaixados em vários indivíduos, trazendo vieses e banalizações, além limitações para o campo profissional. Exemplos de profissionais da saúde que seguem fielmente esses manuais há aos montes, que publicam livros sensacionalistas, dedicando páginas e mais páginas a um detalhamento de traços negativos e pesados sobre pessoas que portam tais transtornos. Esses meios de informação também colaboram para as reações tipicamente hostis que percebemos socialmente, cada vez que um caso ou acontecimento do gênero é divulgado.
Por trás de uma pessoa que comete um crime, está uma subjetividade gigantesca, composta por diversos eventos passados que colaboraram para a formação de seu caráter. Por mais que nós, psicólogos, precisemos usar as convenções estatísticas para Transtornos Mentais e de Personalidade para guiarmos nossas ações profissionais no trato desses fenômenos, há uma realidade complexa vital em cada um desses casos que impede que se faça uma separação desses indivíduos em relação aos outros e desabilita a possibilidade de se descrever seus atos e sua moral com parágrafos que acabam por denegrir suas reputações, como se pudéssemos reduzir todo um ser e uma vida a uma figura animalesca, imperfeita, monstra e fria, capaz de causar o mal para o próximo.
Ao longo desse semestre precisei desenvolver leituras e estudos acerca do tema e precisei fazer uma vasta e longa avaliação de personalidade de um paciente de um grupo de atendimento do qual faço parte na minha universidade, para finalizar uma parte do meu curso e poder finalmente ter meu título de Bacharel. É impressionante encontrar que por trás de um rótulo que facilmente existiria em qualquer outro local de atendimento, há uma configuração mental tão específica e tão complexa, que só as ferramentas que tive a oportunidade de utilizar possibilitariam essa descoberta (Método de Rorschach). Uma entrevista diagnóstica crua, que busca os sintomas ridiculamente traçados nos manuais diagnósticos ignora a subjetividade de cada  sinal demonstrado pelo indivíduo e automaticamente negligencia o que realmente importa. A avaliação da dinâmica do indivíduo, por outro lado, compreende toda a sua estrutura, suas tendências, suas potenciais emoções vividas, pontos de recursos e demandas, traços patológicos ou não.
Essa pessoa avaliada traz consigo um histórico de extremo sofrimento e dor, com uma vivência confusa de suas emoções e um evidente significado em torno das relações interpessoais e emoções que foi adquirido ao longo de suas próprias experiências. O que mais se poderia esperar de uma pessoa que provavelmente vivenciou alguma violência extrema quando mais nova, não teve a oportunidade de resignificá-la e possivelmente continuou imersa em um contexto que favoreceu a formação de um conceito um tanto distorcido acerca da verdadeira maneira de se aproximar de outra pessoa, de como manter relações pacíficas e de como controlar as emoções? Nessa configuração, é totalmente plausível se esperar que haja reações violentas e destrutíveis, pois essa foi a linguagem adquirida ainda em tenra idade e há um sofrimento muito intenso envolvido, que marca fortemente e definitivamente a existência daquela pessoa, influenciando sua auto-imagem ao longo de sua vida. 
O objetivo aqui não é manifestar opiniões favoráveis às atitudes violentas e criminosas que vemos frequentemente na mídia. Sabemos das obrigações de cada cidadão e sabemos que temos leis a cumprir e valores morais e manter e passar de geração para geração. Para toda ação maléfica que vai de encontro com a lei deve existir uma contrapartida justa, uma punição adequada e uma reestruturação e recuperação do ser que errou. Mas é preciso questionar e ir mais além. Por trás daquele monstro que friamente violentou uma mulher, existe um ser humano que está em intenso sofrimento e precisa de atenção.
Afinal de contas, ao sermos notificados de crimes cruéis como esses, damos o direito a nós mesmos de pensarmos de forma agressiva e de querermos uma vingança imediata. É comum ver movimentos de todas as partes, com julgamentos, xingamentos, motivações destrutivas diversas. Estamos pensando e agindo como a pessoa que cometeu o crime e nem ao menos estamos vendo. Não porque também somos monstros e porque somos insensíveis para percebermos isso. Mas porque também somos seres humanos, que legitimamente ou ilegitimamente podemos manifestar problemas com nossas tolerâncias e emoções.
É possível encontrarmos as respostas para aquelas várias perguntas se olharmos para dentro de nós mesmos e percebermos que somos todos muito parecidos, cada um em sua especificidade e riqueza interna.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Piaget e Consciência Moral: por que estamos nos violentando? • Piaget and Moral Conscience: why are we violating ourselves?



       
            Para Piaget (1932), as regras morais se transmitem de geração para geração e se mantêm graças ao respeito que os indivíduos mantêm por ela, ou seja, a criança dificilmente desenvolverá uma consciência autônoma, ela terá o apoio e aprendizado de personalidades superiores. Esses deveres se tornam obrigatórios porque emanaram de indivíduos respeitados, não por causa de seus conteúdos específicos.  Piaget separou as interações sociais em dois tipos: a coação social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais indivíduos, em que se haja um elemento de autoridade ou prestígio. A cooperação social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais indivíduos, que acreditam serem similares, ou seja,  não há elementos de autoridade entre eles, são relações entre pares. O respeito unilateral é a primeira forma de respeito que surge no desenvolvimento do ser humano, e se constitui nas relações de coação social, como relaçoes estabelecidas entre crianças e seus pais, ou com outros adultos significativos para elas. A criança atribui um grande valor às normas, opiniões e valores desses adultos, imitando-os e adotando-os (Piaget, 1941).
             É a partir do respeito unilateral que outras formas de respeito são possíveis, como o respeito mútuo, quando os indivíduos se atribuem reciprocamente valores equivalentes, como podem ser vistos em relações sociais cooperativas, momento em que o indivíduo percebe o potencial para mutação das regras e percebe que ele mesmo pode construír seus valores, dando início à Autonomia Moral. O indivíduo se torna capaz de refletir sobre as hipóteses e de estabelecer ideais de igualdade, justiça, solidariedade e liberdade, que poderão permear a consciência para suas ações. É a partir do respeito mútuo entre personalidades autônomas que seria possível a diversidade.
            No estudo feito por Larissa Machado de Souza Barroso (2000), que caracterizou sua dissertação de mestrado, e tem como título: As ideias das crianças e dos adolescentes sobre seus direitos: um estudo evolutivo à luz da teria Piagetiana, é possível se estabelecerem relações entre seus achados e a teoria de Piaget sobre a Consciência Moral, além de ser possível analisar, também relacionalmente, alguns conceitos fundamentais propostos por ele. Em seu trabalho, Barroso (2000) analisou como crianças e adolescentes de variadas idades interpretavam situações diversas que questionam os Direitos Humanos e quais soluções eram propostas por eles. Observou-se que crianças muito pequenas utilizavam-se de situações muito concretas, presentes em seu cotidiano, para justificar seus motivos para interpretar as situações como erradas, além de proporem como solução estratégias muito situacionais e imediatas, não conseguindo perceber as consequências, também prejudiciais, que suas soluções poderiam gerar. Como por exemplo, em uma situação de maus tratos exposta, crianças muito novas conseguiam conceber como uma situação muito possível de ocorrer, inclusive relatando experiências próprias vivenciadas, e davam como solução estratégias como “fugir de casa” ou “conversar com a mãe” ou com a vizinha que escutava o choro da criança ao ser violentada pelo pai. Crianças de idade mais avançada, por outro lado, tinham uma maior capacidade argumentativa, relatavam experiências próprias e outras vistas em meios de comunicação para justificarem suas análises e conseguiram propor estratégias mais conscientes e abrangentes de solução. Ou seja, foi possível perceber uma maior capacidade de notar que as situações caracterizavam um descumprimento de deveres, ou obrigações,  o que poderia ser teorizado por Piaget como o início de uma Autonomia Moral. Existe a capacidade de perceber como atitudes erradas, que vão contra alguma regra, propondo soluções que fogem do imediatamente perceptível, como as crianças mais novas. Já para os adolescentes, um terceiro nível de compreensão das situações, a idéia de direito está mais bem consolidada, separando direitos de deveres e apontando formas mais eficazes de defesa aos casos de violação, são capazes de observarem as necessidades coletivas, ao invés da meramente individual, além de questionarem ideais estabelecidos, como os de justiça, igualdade, respeito, etc., caracterizando o que Piaget chamaria de uma Consicência Moral bem consolidada.
            Tendo em vista o conceito de adaptação proposto por Piaget, em que no processo de assimilação, o indivíduo se utiliza dos recursos internos já existentes para o retorno ao equilíbrio, é possível se pensar que as crianças mais novas, analisadas por Barroso (2000), além de não terem uma Consciência Moral muito bem consolidada, possuem ainda um repertório pequeno de recursos e estruturas mentais para lidar com novas situações, como as propostas pelo estudo feito. É a partir disso que crianças pequenas, situadas na fase sensório-motor, podem entrar no processo de acomodação, com a consolidação de novas estratégias e mecanismos de enfrentamento e, consequentemente, retornarem ao equilíbrio. Já as crianças citadas como mais capazes de analisar a situação de forma mais geral, tendo consciência dos deveres e conseguindo apontar como soluções, estratégias menos focadas na resolução imediata e concreta, pode-se dizer que se situam na fase das operações concretas, com um crescente incremento do pensamento lógico, com assimilação menos egocêntrica e mais realista, caracterizada por atitudes mais críticas. O terceiro nível, comporto por adolescentes, compreende a fase das operações formais, momento em que é possível formar esquemas conceituais mais abstratos, pautados em ideais de amor, justiça, democracia, etc, e realizar operações mentais formalmente mais lógicas. É possível questionar sistemas sociais e propor novos códigos de conduta (Rappaport, 1981).
            Se o Bullying envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais, intencionais e repetitivos direcionados a uma pessoa, causados por uma ou mais pessoas, com o objetivo de humilhar, expor ao ridículo, acusar, excluir e prejudicar (Middelton-Moz & Zawadski, 2007), é possível se concluir que todos esses comportamentos caracterizam um descumprimento aos Direitos Humanos, um corte ao respeito mútuo e uma má consolidação da Consciência Moral. Se essa forma de intimidação está presente em condutas nas mais variadas faixas etárias e pode ser vista também em outros contextos que não somente o escolar, pergunta-se: o que acontece no processo de aquisição da Autonomia Moral, envolvendo todas as fases de assimilação e o consequente posicionamento em etapas piagetianas, para que a sensibilidade a esses ideias e valores esteja prejudicado? Se o indivíduo adquire sua inteligência e suas capacidades ao longo de uma vasta interação social (Rappaport, 1981), e, além disso, desenvolve outras formas de respeito a partir do respeito unilateral em relações sociais de coação (com os pais ou adultos significativos), em que tipo de relações esse mesmo indivíduo está inserido ao longo de seu desenvolvimento, que não estão formando ideais mais fortes, abrindo possibilidades para comportamentos agressivos e violentos, que desrespeitam os direitos do próximo? Se o Bullying escolar envolve crianças ainda na fase das operações concretas e que portanto, ainda podem passar por etapas de novas assimilações, é possível se pensar que uma intervenção eficaz pode trazer novas significações e soluções para essas crianças, formando novos valores e compreendendo melhor as noções de direitos e deveres, inclusive de respeito mútuo. E se o Bullying escolar envolve adolescentes que potencialmente se situam na fase das operações formais? Como é possível provocar modificações na visão crítica e em códigos de conduta já estabelecidos, para que atitudes agressivas e violentas não voltem a ocorrer? 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Uma abordagem centrada no aluno, estratégia para prevenção da violência escolar- análise e reflexão da teoria de Carl R. Rogers. • The student-centered learning, a strategy to prevent Bullying.






            O presente artigo tem por objetivo analisar a obra de Carl R. Rogers intitulada “Tornar-se pessoa”, promovendo reflexões e levantando estratégias a um ensino voltado para a liberdade do aluno, focada em sua experiência e aberta ao questionamento pessoal. Uma maneira a permitir o crescimento efetivo, individual e em grupo, promovendo a consciência e compreensão mútuas e prevenindo a soberania da violência e competição.

            Rogers inicia sua obra expondo experiências pessoais que o levaram a teorizar e colocar em prática sua visão de processo terapêutico ideal e, posteriormente, construiu associações com o contexto escolar, transpondo a terapia focada no cliente ao ensino focado no aluno e, felizmente, observou os mesmos excelentes e duradouros resultados. Antes de tudo, a teoria rogeriana se pauta no objetivo de dar liberdade ao cliente ou ao aluno de se expressar conforme sua própria consciência de sofrimento e/ou demanda, constituindo em uma técnica que não visa somente a exposição ativa de um “detentor do saber” a um aluno/cliente que se posiciona passivamente e absorve tudo o que lhe é imposto. Ao contrário, a técnica diz respeito a abrir um espaço para que seja comunicado pelo aluno ou cliente o assunto a ser conversado e consequentemente a direção do movimento, tanto no processo terapêutico, quanto no processo de ensino.

            A partir dessa perspectiva, também é possível se pensar na enorme contribuição que o olhar compreensivo possui sobre as interações interpessoais. A postura de um professor diante do aluno, caracterizada por uma compreensão e escuta paciente de suas demandas e experiências possibilita que o aluno se sinta reconhecido e acolhido da melhor maneira e, sentindo-se compreendido, é possível que se modifique. Quanto mais um indivíduo é reconhecido, maior a tendência de abandonar as falsas defesas que criou para enfrentar a vida e maior sua tendência a mover para frente. Essa necessidade de se defender por vezes pode ser caracterizada por comportamentos reativos, agressivos, antissociais e prejudiciais.
             Relações pautadas na compreensão e aceitação da subjetividade do outro também podem ser observadas em situações familiares. Atitudes dos pais para com os filhos denominadas “atitudes de aceitação democrática”, caracterizam-se por relações de igual para igual, realizadas a partir do afeto, e demonstram resultar em desenvolvimento intelectual acelerado por parte dos filhos, além de maior originalidade, maior segurança e controle emocional. Por outro lado, quando os pais adotam “atitudes de rejeição ativa”, surgem resultados como leves retardamentos do desenvolvimento intelectual das crianças, utilização pobre de suas capacidades, instabilidade emocional e comportamentos de rebeldia, agressividade e agitação.
            Tendo em vista os inúmeros efeitos colaterais comportamentais que uma relação baseada na autoridade pode promover, é importante analisar as estratégias apontadas por Rogers como saídas para uma relação de ajuda. Entre elas, ele detalha sobre a importância de se apresentar como verdadeiramente é, para construção de vínculos baseados na confiança. Quando se demonstra e expõe verdadeiramente o que se é, o terapeuta, pai ou professor se posiciona por inteiro e proporciona a confiança. Outra saída diz respeito à já citada importância de se estabelecer uma relação demonstrada no reconhecimento de quem o outro é e do que já viveu e traz consigo, pois assim demonstram-se sentimentos positivos e ao mesmo tempo fortalece-se a confiança. Assim também é possível se demonstrar à pessoa que não há um juízo de valor nessa relação, o que permitirá que ela mesma perceba que o julgamento reside dentro de si mesma. Por último, mas não menos importante, Rogers detalha a importância de se ter em mente que não é produtivo perceber o cliente/paciente/filho como um indivíduo rígido e fechado em um conceito pré-determinado, no sentido de que é preciso pensar nas potencialidades e na possibilidade de que suas condições atuais sejam mutáveis e passíveis de transformações.
            A aprendizagem significativa, como fruto da terapia focada no cliente e no ensino focado no aluno, para Rogers, é aquela que provoca uma modificação, seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade. É possível se observar aprendizagens como percepções diferentes sobre si mesmo, aceitação de sentimentos, aumento da auto-confiança e autonomia, flexibilidade e diminuição da rigidez nas percepções, adoção de objetivos mais realistas, comportamentos mais maduros, modificação de comportamentos mal adaptados e maior aceitação dos outros. Estudantes que estão em maior contato com os problemas da vida procuram aprender, desejam crescer e descobrir, esperam dominar e querem criar. Todas essas aprendizagens e mudanças puderam ser relatadas por um caso exposto na obra “Tornar-se pessoa” em que Samuel Tenenbraum pôde detalhar sua experiência primeiramente como aluno de Rogers, a experimentar de perto a teoria e técnica humanista e, posteriormente, demonstrando sua eficiência em suas próprias práticas como professor em sala de aula.
            Por fim, Rogers fala sobre os resultados da terapia focada no cliente para a vivência intrafamiliar. Entre eles, está o aumento da compreensão sobre si mesmo e o consequente aumento da compreensão do próximo, em suas características e individualidades. Ao mesmo tempo, quando o indivíduo se torna capaz de entender seus próprios sofrimentos, toda a angústica, raiva e agressividade perde seu poder explosivo e é possível questioná-los e ressignificá-los, inclusive em relações que os provocam.
            Tendo em vista a violência e a agressividade recentemente vivenciadas dentro do contexto escolar e buscando uma estratégia que facilite a prevenção e desestruturação disso, a teoria rogeriana demonstra que ter o olhar voltado para o indivíduo e suas experiências, de maneira compreensiva e aberta para as mudanças graduais e duradouras, tende a trazer bons resultados que podem se refletir em outros contextos e possibilitarem novas vivências e novas decisões para o futuro. Se há um espaço aberto para que o aluno converse sobre suas angústias, muitas vezes vivenciada fora da escola, mas trazidas para suas relações escolares, e este aluno percebe estar sendo acolhido com compreensão e empatia, ele mesmo poderá encontrar os caminhos para sua modificação, buscando novas estratégias, tornando menos rígidas suas percepções e podendo, inclusive, refletir essas mudanças no contexto familiar. Escolas que adotem a filosofia humanista podem contar com um método mais aberto às subjetividades de cada aluno e, em suas dinâmicas em sala de aula, podem promover maior aceitação mútua às individualidades de cada aluno, construindo conceitos que vão desde o respeito ao próximo, passando pela compreensão da demanda de cada um e chegando à motivação de ajudar o outro em seu próprio conhecimento. Diferente de uma educação pautada nas relações hierárquicas e autoritárias, o ensino focado no aluno, de base puramente humanista, parece abrir portas para uma estruturação do ser de forma mais consciente e pacífica, gerando indivíduos que, desde cedo, percebem o próximo como um outro com próprias demandas e especificidades, exercitando a tolerância e a empatia e, ao mesmo tempo, prevenindo situações de violência e exclusão.     

quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Os efeitos da estratégia educacional autoritária sobre os comportamentos de crianças e adolescentes e a possibilidade de ocorrência do Bullying- Uma reflexão Behaviorista • The effects of an authoritarian educational strategy on the behaviors of children and adolescents: a possibility of Bullying



          




O pressuposto da teoria de Skinner é explicar o comportamento humano como resultado da influência de estímulos presentes no meio. A compreensão acerca da forma como esses estímulos agem sobre os comportamentos é importante, pois assim se torna possível fazer modificações nos estímulos, provocando mudanças comportamentais desejáveis. O comportamento opera sobre o meio e por ele é reforçado ou punido. A frequência do comportamento depende dos estímulos que o seguem e também de seus potenciais reforçadores ou aversivos à pessoa que os elicia. Um estímulo reforçador, por exemplo, age diretamente sobre o comportamento, possibilitando uma nova ocorrência e assim, aumentando sua frequência e probabilidade de eliciamento. Por exemplo, no contexto da escola, um aluno que estuda adequadamente para uma prova pode ser reforçado pela consequente boa nota na avaliação, aumentando a probabilidade de que ele estude com qualidade mais vezes. Uma punição, por outro lado, age diretamente sobre um comportamento indesejável de forma aversiva, limitando-o e/ou cessando-o por completo. Por exemplo, um aluno que tem más condutas na escola pode ser punido pelo professor com algum castigo que seja suficientemente aversivo e assim seus comportamentos poderiam ter suas frequências diminuídas. O que se observa, no entanto, é que a punição possui alguns efeitos específicos: a) inibe temporariamente o comportamento, podendo perder seu potencial avesivo com o tempo; b) pode ter seus efeitos estendidos a outros comportamentos vinculados ou próximos ao comportamento punido, como diminuir a frequência com que um aluno conversa em sala de aula, mas diminuir também a frequência da fala do aluno, mesmo quando ela é desejada em outros contextos; e c)pode exercer sua função apenas quando a contingência de punição ou o agente punidor estiverem próximos, por exemplo, quando a criança é punida por um professor por eliciar comportamentos indesejáveis e, na ausência desse professor (agente punidor), os mesmos comportamentos ressurgem  (Ries, 2001).
            No contexto escolar, a autoridade está intimamente ligada à (in)disciplina, ocorrendo porque o projeto pedagógico prevê relações assimétricas de poder, no qual o docente exerce autoridade sobre o aluno (De La Taille, 1999). A maneira como o professor exerce sua autoridade em sala, de forma autoritária ou liberal, é vital para o estabelecimento de situações de disciplina em sua turma (Araújo, 1999). No entanto, autoridade vem sendo tradicionalmente confundida com autoritarismo e o aluno se cala por temer as punições e ameaças do professor, enfraquecendo, progressivamente, a relação professor aluno(Novais, 2004). Para Lobrot (1977), a autoridade se contrapõe à liberdade,visando se impor ao outro idéias, crenças e hábitos desejáveis. Isso seria possível a partir de estratégias repressivas, que envolvem a coerção, pelo direcionamento através de ameaças e recompensas. A autonomia de pensamento e ação acaba sendo fruto da internalização de regras e deveres que são vivenciadas diariamente no processo pedagógico, por intermédio da autoridade docente (Davis &Luna, 1991). Essa coerção cria um clima emocional em sala que pode gerar hostilidade, ressentimento, passividade e sentimentos de inferioridade, que dificultam ainda mais o trabalho pedagógico (Furlani, 2003), o professor se volta aos alunos indisciplinados, promovendo a punição pelos comportamentos indesejáveis, mas não favorece o desempenho adequado do aluno. Diante dessa situação, algumas respostas podem ser obervadas por parte dos alunos, entre elas a revolta, como uma reação contra o autoritarismo da escola, manifestando comportamentos que vão desde a indisciplina até a “delinquência” (Novais, 2004).
            O controle comportamental do tipo coercitivo, para influenciar comportamentos,  é feito pelo uso de reforço negativo ou punição. Reforço negativo é uma estratégia de reforçamento que tem o objetivo de aumentar um comportamento visado, retirando-se um estímulo aversivo para o indivíduo. Por exemplo, se a professora quer que o aluno faça silêncio e preste atenção na aula, pode tentar controlar seu comportamento oferecendo a possibilidade de ele não precisar fazer o dever de casa, que a priori teria uma significação negativa para o aluno. A punição, positiva ou negativa, tem o objetivo de diminuir a frequência de um comportamento, podendo retirar um estímulo agradável para o indivíduo (negativa) ou inserindo um estímulo aversivo (positiva) para o indivíduo (Sidman, 1995). Para Marinho (1999), crianças e adolescentes expostos ao controle de comportamento por meio da coerção podem manifestar comportamentos antissociais, com características agressivas e rebeldes, além de défict em habilidades sociais, dificuldades escolares, ressentimento e baixa habilidade para solucionar problemas. Para Sidman (1995), crianças e adolescentes educadas por meio da coerção tendem a reproduzir esse padrão punitivo com outras pessoas e em outros contextos, especialmente quando se tornam adultos. Além disso, pessoas expostas ao controle comportamental tendem a encontrar estratégias de evitação, como a fuga e a esquiva, que não proporcionam aprendizado, apenas paralizam o sujeito, que passa a desenvolver dificuldades de se expor a novas contingências, podendo retrair-se e manifestar dificuldade em relacionamento social (Namo & Banaco, 1999).

            Tendo em vista a definição de Bullying proposta por Fante (2005), que o caracteriza como uma série de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, direcionadas a um aluno ou um grupo e produzindo dor, sofrimento, angústia e retraimento social, e ainda, tendo em vista que esse contexto de intimidação ainda não possui apenas uma explicação teórica para sua origem e ocorrência, questiona-se: seria possível que alunos que vivenciam frequentemente contingências punidoras como forma educativa, na escola e na família, estejam reproduzindo esses comportamentos em outros contextos, como uma reação ao aprendizado baseado na coerção (Sidman, 1995)? Se o controle de comportamentos caracterizado pela coerção é responsável por alta ocorrência de comportamentos reativos agressivos, violentos e antissociais (Marinho,1999), é possível traçar uma alta probabilidade de alunos agressores terem vivenciado algum tipo de violência, doméstica ou escolar, caracterizada pelo uso de ameaça, controle e punição, como igualmente demonstra o estudo de Pinheiro e Williams (2009).
            Pais e professores precisam estar mais atentos aos efeitos de uma educação baseada no controle coercitivo, a fim de se evitar consequências e significações, por partes de crianças e adolescentes, que os levem a se comportar de maneira agressiva e violenta em outros contextos, principalmente quando adultos, repassando essas condutas de forma transgeracional. Uma alternativa ao uso da punição seria a utilização do reforço, positivo e/ou negativo, em casa e na escola. Os esquemas reforçadores promovem o aprendizado do indivíduo e a mudança do comportamento de uma maneira pacífica, não utilizando a linguagem da ameaça, o que possibilitaria o crescimento individual e o conhecimento de si (Souza, 2009), sem estar exposto a medo e aversão, que podem ser causados pelo uso contínuo da punição, e sem precisarem utilizar estratégias de fuga e esquiva, que não proporcionam um aprendizado duradouro. 

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Violência, Bullying, Família e Escola • Violence, Bullying, Family and School



         

   A família e a escola, como agentes primários de socialização (Ferreira, 1997), têm função importantíssima na construção dos conceitos que envolvem boa convivência entre pares, responsabilidades e deveres, assim como o fortalecimento de valores morais e éticos, como o respeito mútuo, a empatia, a compreensão e a solidariedade, não somente entre os membros da família e alunos, mas entre cidadãos que compõem uma sociedade ampla.
            Tendo a família como a base de formação do ser, é compreensível delegar a ela uma enorme responsabilidade de servir-se de exemplo para os filhos, uma vez que dentro dela é possível aprender leis de convívio perpassadas pelas gerações, valores e responsabilidades, questionamentos e reflexões. Resposabilidades essas que remetem à Teoria da Aprendizagem Social (Bandura, 1973), que fala justamente da facilidade que a criança encontra em aprender condutas e comportamentos tendo como base as atitudes observadas dentro da própria família, principalmente entre as figuras maternas e paternas. A partir dessa teoria também é possível compreender os motivos pelos quais várias crianças se comportam de forma agressiva em contextos externos à convivência familiar, principalmente na escola. Vários pesquisadores têm encontrado uma íntima relação entre violência doméstica, no âmbito psicológico, físico e moral, e condutas agressivas em crianças na escola, participando como agressoras ou alvos/autoras de agressão (Pepler, Catallo & Moore, 2000).
            A criança, parte integrante da família, vivencia a agressão doméstica de forma direta, sendo alvo da agressão, ou de forma indireta, presenciando atos de violência entre os pais. De amba as formas, prejuízos à criança podem ser gerados (Jouriles, McDonald, Norwood, Ezell, 2001), como manifestações de comportamentos agressivos e até o desenvolvimento de Transtornos de Conduta que, segundo o DSM-IV-TR são caracterizados por um padrão persistente de comportamento que viola os direitos básicos dos outros e as normas ou regras sociais importantes e apropriadas à idade. Dentre os vários motivos que levam a um episódio de violência doméstica, há um consenso na literatura de que problemas de saúde dos pais, dentre eles o abuso de drogas e alcool, são fatores estressores que propiciam o desencademento desse tipo de violência (Caminha, 1999). Webster- Stratton (1997) afirma que mães com depressão, pais alcoolistas e comportamentos agressivos e anti-sociais dos pais implicam em fatores de risco.           
            A relação entre a participação das crianças, de forma direta ou indireta, na violência doméstica e a consequente manifestação de comportamentos agressivos na escola foram evidenciados pelos experimentos de Maldonado & Williams (2005) e Pinheiro e Williams (2009). No primeiro estudo, foram entrevistadas 28 mães, sendo 14 de crianças agressivas e 14 de crianças não agressivas, estudantes de uma escola pública de São Paulo. Das 14 primeiras,  28.6 % relataram a ocorrência de “violência em casa”, enquanto as segundas não relataram. Quanto à “violência contra a criança”, 42.9% das primeiras mães relataram a ocorrência, em relação aos 14.3% das mães  do segundo grupo.
            O segundo estudo explorou o conceito de Bullying e teve o objetivo de relacionar a violência doméstica com a participação, de alguma forma, em práticas de intimidação (Bullying) escolar. Ele é caracterizado por um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, ocorrendo sem uma motivação evidente, praticado por um aluno ou um grupo, contra um aluno ou vários, causando dor, sofrimento e angústia. Esses atos compreendem insultos, intimidações, apelidos cruéis, além de danos físicos, morais e materiais, entre outros (Fante, 2005). Alguns autores dividem esse tipo de violência em três categorias: a intencionalidade do ato, a prolongação no tempo e o desequilíbrio de poder físico, psicológico ou social entre os envolvidos. Pinheiro e Williams encontraram que, de uma amostra de 239 adolescentes entrevistados, 49% relatou ter tido algum envolvimento em Bullying três meses anteriores à pesquisa. Sendo que destes, 26% foram exclusivamente vítimas, 21% foram alvos/autores de intimidação e 3% exclusivamente autores. No geral, 91,8% dos alunos que foram agredidos pela mãe ao menos uma vez estavam no grupo de alunos que sofreram e praticaram o Bullying, ou seja, os alunos que sofreram pelo menos um tipo de violência por parte da mãe tinham 3,2 mais chance de se envolver em Bullying como alvo/autores do que aqueles que não sofreram essa violência. Entre outras análises estatísticas mais complexas, de forma geral, os resultados confirmaram que os alunos que vivenciaram a violência doméstica, de forma direta e/ou sendo expostos à violência interparental, tinham maior probabilidade de se envolver em situações de intimidação (bullying) na escola, especialmente como alvo/autores.
            De forma conclusiva, lança-se um questionamento em relação à violência tão freqüentemente observada atualmente no contexto escolar, e o convívio familiar e suas especificidades. Existem diversas políticas de prevenção e luta contra a violência doméstica, principalmente a que envolve a violência contra a mulher, tão freqüentemente vivenciada por crianças e passadas de forma transgeracional ao longo dos anos. Mas as políticas não estão dando conta da enorme consequência a longo prazo a que essas crianças estão submetidas. A partir dos dados estatísticos apresentados, é possível se afirmar que a violência em casa é a principal formadora das condutas dos filhos, observadas na escola. Se a criança aprende o vocabulário da agressão como forma de solução para os relacionamentos interpessoais, ela possivelmente o reproduzirá quando for preciso e, tendo em vista a fase escolar, que compreende os longos anos da infância e da adolescência, a instituição escola talvez seja o principal endereço dessas manifestações sociais de violência, domínio, abuso da liberdade, desrespeito, falta de empatia, entre outros. Pode-se afirmar que o comportamento agressivo dos filhos nas escolas poderia ser compreendido como um “pedido de socorro”, já que a apresentação de comportamentos violentos pode ser considerado um fator indicador de que a criança se econtra em situação de risco, frente à exposição à violência severa (Maldonado & Williams, 2005).
            Que tipos de intervenção deveriam ser feitas? Como a família deveria participar nesse processo? Que função a escola tem quando participa ativamente de uma situação de violência e precisa intervir pelos alunos, vítimas e agressores? De que forma poderia haver uma comunicação entre a família e a escola?

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Bullying e saúde mental • Bullying and mental health

Bullying é o nome, de origem inglesa, dado a uma seqüencia de atos violentos de característica física e/ou moral, cometidos de forma incisiva e repetitiva, contra uma ou várias pessoas, que normalmente se encontram em uma situação de vulnerabilidade ou em um contexto ou situação em que se torna improvável a sua auto-defesa. Esse tipo de violência se configura entre pares, ou seja, entre pessoas semelhantes, que não estão em uma relação hierárquica ou de poder e por isso, é mais comum definirmos Bullying como a violência escolar entre alunos, apesar de ele ter outras definições em outras culturas.
         Muito tem sido observado no país ultimamente acerca do Bullying. Não porque o termo foi criado recentemente. Na verdade, essa definição já existe há alguns anos no Brasil mas, infelizmente, começou a "cair na boca do povo" há alguns meses, com o ocorrido em Realengo este ano.
           A tragédia de Realengo é um exemplo importante para dar início à discussão que pretendo gerar. Há muitos profissionais da saúde dizendo na mídia que o Bullying não foi o motivo principal pelo qual Wellington resolveu assassinar os estudantes no Rio de Janeiro. De fato, podemos dizer que foi um conjunto de acontecimentos e vivências, em toda a existência de Wellington, que puderam, juntos, corroborar para esse quadro. Mas não podemos deixar de fora o fato de que toda a violência moral e física vivenciada por ele durante quase todo o seu momento escolar teve uma importância gravíssima em sua saúde mental e sua visão de si próprio e do mundo. Em suas cartas, Wellington diz que o motivo de suas ações não tem a ver exclusivamente com o Bullying sofrido por ele. Mas diz respeito a várias outras lutas que ele tem para si, que no fundo poderiam estar intimamente relacionadas com a significação que ele dá para o conceito de violência,   respeito, convivência social, que com certeza foi construída em seu período de maior importância e formação de self, seu período escolar, que corresponde à sua infância e adolescência.
            Não podemos tentar procurar uma psicopatologia em que Wellington se encaixe, ele não está vivo para podermos compreender melhor sua subjetividade e não temos detalhes suficientes sobre seus pensamentos e seus reais motivos para ter feito o que fez. O que sabemos é que ele vivenciava uma nítida percepção distorcida da realidade, com pensamentos e crenças muito fortes, voltados para um estilo de vida e uma missão construída por ele como algo realmente importante para sua existência. Essa distorção, de acordo com seus conteúdos observados, provavelmente se relaciona intimamente com a realidade por ele vivida, não somente com o histórico de violência na escola, mas por todas as consequências geradas por um estilo de conduta que, aparentemente, já vinha sendo manifestado por ele desde pequeno. A compreensão social acerca de seu quadro parece bastante comprometida. Com certeza Wellington passou por muitas dificuldades e preconceitos. O próprio Bullying cometido contra ele denuncia que suas particularidades e suas características eram vistas como "estranhas" e "vulneráveis" por seus colegas de classe. Talvez não seja possível dizer a partir de que momento essa psicopatologia possa ter começado a se manifestar, mas pode-se afirmar que seu prognóstico foi fortemente influenciado pelo contexto em que ele precisou viver, marcado por  muitos episódios de violência, incompreensão e provavelmente segregação.
               Por isso, retoma-se o alerta em relação à probabilidade de um Bullying estar ocorrendo. Percebe-se que a criança modifica sua motivação para ir à escola, sua auto- estima fica prejudicada, ela experimenta bastante isolamento social, suas notas e aproveitamento das disciplinas sofrem grandes modificações. Se não é detectado pela escola e pelos pais que há algo que está afetando diretamente o emocional da criança, e nada é feito em relação a isso, ela tende a ficar pior e pode sim desenvolver outros prejuízos maiores para sua vida, tal como um adoecimento mental e físico e a conseqüente atitude impulsiva como o suicídio ou o homicídio, como o observado em Realengo.
                Antes de apontarmos o dedo para o agressor, no entanto, precisamos nos lembrar que ele também tem um sofrimento envolvido. Violência e abandono em casa podem ser fatores que colaboram para que a criança tome atitudes agressivas na escola, não só porque aprendeu e revivencia o que vê em sua própria família, mas como um depósito de ações agressivas e descarregadoras de tensão, que não são possíveis de serem manifestadas em casa. Também por aceitação social, encaixe no grupo, reconhecimento. O que é preciso ser lembrado é que violência e agressividade também é sintoma de um emocional desequilibrado. Não somente o agredido vivencia dor, o agressor também precisa de compreensão e precisa que suas condições de vida e seu contexto social seja modificado.
            O Bullying é uma violência que se manifesta a partir de uma demanda emocional que precisa ser bem investigada. Se não é possível preveni-la, é possível repará-la e evitar que fique mais grave e traga mais sofrimento tanto para quem o comete, quanto para quem o recebe. Nossas escolas precisam estar mais bem preparadas para falar sobre o assunto com seus alunos, mas também para saberem detectar e tomar providências caso percebam que algo está acontecendo. Precisamos lembrar que o período escolar pode significar momento de importante construção de um ser completo, com crenças, pensamentos, idealizações, condutas, motivações e interpretações que se refletirão em seus comportamentos como adulto anos depois. Se esse momento da vida não foi bem vivido ou foi recheado de péssimos vínculos e episódios traumáticos e fragmentadores, é possível que traga sérias consequências para o depois, trazendo bastante prejuízo para o ex aluno e podendo, inclusive, desencadear sofrimento psíquico grave.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Inimputabilidade penal • Mental Incapacity in criminal sentencing



O conceito de inimputabilidade penal diz respeito à incapacidade que uma pessoa apresenta de responder legalmente sobre um ato cometido, provocado pelo não entendimento das consequências de seus atos e a impossibilidade de ser punida pelos seus comportamentos. Ela é normalmente comprovada por perícias e divulgadas por laudos detalhados. Mas ainda assim é vista com maus olhos por muitos profissionais e ainda é muito discutida por todas as ciências humanas que, por algum motivo, ainda não dão conta da tamanha complexidade que o assunto pode gerar.
Mas para falar de inimputabilidade penal, primeiramente julgo necessário se falar no que realmente gera a incapacidade de uma pessoa em responder legalmente por seus atos e mais, por que o sistema prisional comum, como as penitenciárias que bem conhecemos, não são os melhores destinos para quem possui esse perfil inimputável?
São vários os motivos que levam uma pessoa a cometer um crime. A sociedade está acostumada a julgar comportamentos humanos sob uma base maniqueísta, em que o bem sai na frente no poder pela justiça e o mal deve ser punido independentemente de qualquer explicação ou causa. A verdade é que, analisando de perto, qualquer crime terá explicações plausíveis quando vistos pelo referencial de quem o comete. Falando em homicídio, é difícil deixar de lado toda a discussão moral e ética acerca do alguém que retira o direito de vida de outro alguém. Essa pressão filosófica é tão grande, que não cabe espaço para maiores análises ou para maiores explicações e a gente toma a posição de querer defender o "bem" e esquecer o "mal" ou deixá-lo longe do convívio social, longe de seus direitos, longe de uma compreensão e um perdão.
Ao meu ver, qualquer pessoa que esteja em sofrimento psíquico grave é uma vítima de uma consciência afetada. Digo vítima porque acredito que a consciência é um estado mental que tem muito mais controle sobre nós mesmos do que nós sobre ela. Fatores inconscientes mediadores e moderadores de comportamento podem ter suas portas abertas, uma vez que nosso sistema psíquico passa por qualquer embaralhamento e quanto a isso, não temos um controle consciente, não é como curar uma tosse tomando um remédio. São vários transtornos mentais que podemos listar como possuindo características de confusão com a realidade, não somente os psicodinamicamente psicóticos. Uma pessoa em depressão fortíssima terá uma visão da realidade afetada, mas isso não a classifica como psicótica. Um paciente com Transtorno de Personalidade Borderline também pode apresentar uma forma muito peculiar de enxergar sua convivência em sociedade, sobretudo sobre seus relacionamentos interpessoais, e isso também não o classifica como psicótico. Então o que, exatamente, faz com que uma pessoa se encaixe em um perfil de inimputabilidade penal?
De acordo com o DSM-IV-TR, transtornos mentais são "concebidos como síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes, que ocorrem num indivíduo e estão associados com sofrimento ou incapacitação ou com um risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante da liberdade". Então qualquer que seja a condição mental de um paciente, suficientemente prejudicial para seu funcional, ocupacional e social, pode-se dizer gerar um padrão clinicamente importante, no sentido de que deve ser tratado corretamente com psicoterapia e, muitas vezes, com psicofarmacologia. Um paciente com esquizofrenia, por exemplo, pode manifestar delírios e alucinações que condizem com um desejo muito grande de matar alguém, com uma explicação que, em seu universo subjetivo, é completamente plausível. Como um paciente suicida atendido no Hospital de Base, que acreditava com todas as forças que deveria se matar para livrar sua mãe dos espíritos do mal. Depois de ter sobrevivido à tentativa de auto-extermínio, o delírio do paciente passou a ser o de matar sua própria mãe, pois só assim ela seria liberta. Em um caso como esses, é complicadíssimo segurarmos o paciente pela mão e tentarmos fazer com que ele enxergue a realidade. Porque afinal de contas, de qual realidade estamos falando? Um paciente tido como portador de um Transtorno Mental vive sua subjetividade muitas vezes sem sofrimento consciente algum. Seus comportamentos e atos são tidos como lógicos e muitas vezes não há discurso racional que faça uma idéia ser barrada e desconstruída.
Um paciente com Transtorno de Personalidade Anti-social, o famoso sociopata ou psicopata, tem uma vivência tão apática quanto aos direitos vitais de outras pessoas, que ele pode assassinar um próximo simplesmente para conseguir suprir uma necessidade própria. Falta a esse paciente uma visão empática, solidária, e "consciente" com os valores morais estabelecidos por lei, por exemplo. Como julgar uma atitude de um sociopata sob os olhos do direito penal e garantir a ele uma sentença puramente punitiva se, ao final de sua condenação, ele retornará à sociedade ainda portando seu transtorno de personalidade e ainda carregando sua subjetividade e visão de mundo?
Questionar a inimputabilidade penal deve levar em consideração exatamente isso: a subjetividade e a visão de realidade que uma pessoa possa ter. É através do convívio que internalizamos valores morais que nos constroem como pessoas conscientes de nossos deveres e direitos como cidadãos. Quando com um aparato psicológico intacto e saudável, essa internalização ocorre facilmente, sem muitas dificuldades, e a simples visão do direito a vida do próximo é enxergada quase que automaticamente. Uma vez que esse aparato psíquico falha na introjeção desses valores morais "normalmente" consolidados, a consciência para o direito à vida de outrém já não é a mesma.
O sistema penitenciário brasileiro está focado em promover a punição daqueles que cometem crimes. São cárceres em condições desumanas, abrigando muito mais gente do que podem suportar, com um regime torturante. A visão não é a de uma recuperação do ser humano, muito pelo contrário, muitos saem de lá mais experientes do que já entraram. A punição severa a qual estão submetidos parece dar espaço apenas para um arrependimento profundo, o que não comprova que nunca mais precisarão cometer os mesmos crimes que já foram cometidos em outro momento. Mais uma vez, os diversos motivos que levam uma pessoa a se comportar e a cometer crimes são tão complexos, que nada pode ser comprovado acerca de uma outra situação em que um crime poderia ser cabível. Ou seja, é perfeitamente compreensível que uma pessoa possa sair da cadeia anos após ser admitido, arrependido pelo que fez, mas ainda em condições sociais e humanas tão precárias que a probabilidade de precisar cometer outro crime é ainda altíssima.
Vendo isso, é possível se enxergar os motivos pelos quais não há como sentenciar uma pessoa que não tem consciência de seus atos. Um anti-social, após matar seis garotos e não ver seriedade em seus atos, irá cumprir pena por anos e sairá ainda em sua condição mental e cometerá outros crimes tão graves ou piores quanto os já cometidos. Enquanto o sistema prisional estiver focando apenas na punição e não na recuperação do ser humano, não há como tratar as pessoas com perfil inimputável de outra forma.
Para sentenciar alguém ao corredor da morte, por mais que não tenhamos pena de morte aqui, parte-se do pressuposto de que essa pessoa possui plena consciência de seus atos e agiu de forma cruel, promovendo um mal para a sociedade e deve ser punida por isso. No entanto, isso não lhe retira o direito já pré-determinado de vida, de bem-estar e de existência digna. Se uma pessoa não é capaz de enxergar a realidade como enxergamos e não possui os olhos que possuímos para ver que seus atos causaram um mal a outras pessoas e feriram seus direitos como cidadãs, puni-la sob um regime comum não trará resultado algum, a não ser privá-la de liberdade, enquanto podia estar tendo a recuperação ou o tratamento correto para sua condição mental.