segunda-feira, 11 de abril de 2011

Inimputabilidade penal • Mental Incapacity in criminal sentencing



O conceito de inimputabilidade penal diz respeito à incapacidade que uma pessoa apresenta de responder legalmente sobre um ato cometido, provocado pelo não entendimento das consequências de seus atos e a impossibilidade de ser punida pelos seus comportamentos. Ela é normalmente comprovada por perícias e divulgadas por laudos detalhados. Mas ainda assim é vista com maus olhos por muitos profissionais e ainda é muito discutida por todas as ciências humanas que, por algum motivo, ainda não dão conta da tamanha complexidade que o assunto pode gerar.
Mas para falar de inimputabilidade penal, primeiramente julgo necessário se falar no que realmente gera a incapacidade de uma pessoa em responder legalmente por seus atos e mais, por que o sistema prisional comum, como as penitenciárias que bem conhecemos, não são os melhores destinos para quem possui esse perfil inimputável?
São vários os motivos que levam uma pessoa a cometer um crime. A sociedade está acostumada a julgar comportamentos humanos sob uma base maniqueísta, em que o bem sai na frente no poder pela justiça e o mal deve ser punido independentemente de qualquer explicação ou causa. A verdade é que, analisando de perto, qualquer crime terá explicações plausíveis quando vistos pelo referencial de quem o comete. Falando em homicídio, é difícil deixar de lado toda a discussão moral e ética acerca do alguém que retira o direito de vida de outro alguém. Essa pressão filosófica é tão grande, que não cabe espaço para maiores análises ou para maiores explicações e a gente toma a posição de querer defender o "bem" e esquecer o "mal" ou deixá-lo longe do convívio social, longe de seus direitos, longe de uma compreensão e um perdão.
Ao meu ver, qualquer pessoa que esteja em sofrimento psíquico grave é uma vítima de uma consciência afetada. Digo vítima porque acredito que a consciência é um estado mental que tem muito mais controle sobre nós mesmos do que nós sobre ela. Fatores inconscientes mediadores e moderadores de comportamento podem ter suas portas abertas, uma vez que nosso sistema psíquico passa por qualquer embaralhamento e quanto a isso, não temos um controle consciente, não é como curar uma tosse tomando um remédio. São vários transtornos mentais que podemos listar como possuindo características de confusão com a realidade, não somente os psicodinamicamente psicóticos. Uma pessoa em depressão fortíssima terá uma visão da realidade afetada, mas isso não a classifica como psicótica. Um paciente com Transtorno de Personalidade Borderline também pode apresentar uma forma muito peculiar de enxergar sua convivência em sociedade, sobretudo sobre seus relacionamentos interpessoais, e isso também não o classifica como psicótico. Então o que, exatamente, faz com que uma pessoa se encaixe em um perfil de inimputabilidade penal?
De acordo com o DSM-IV-TR, transtornos mentais são "concebidos como síndromes ou padrões comportamentais ou psicológicos clinicamente importantes, que ocorrem num indivíduo e estão associados com sofrimento ou incapacitação ou com um risco significativamente aumentado de sofrimento, morte, dor, deficiência ou perda importante da liberdade". Então qualquer que seja a condição mental de um paciente, suficientemente prejudicial para seu funcional, ocupacional e social, pode-se dizer gerar um padrão clinicamente importante, no sentido de que deve ser tratado corretamente com psicoterapia e, muitas vezes, com psicofarmacologia. Um paciente com esquizofrenia, por exemplo, pode manifestar delírios e alucinações que condizem com um desejo muito grande de matar alguém, com uma explicação que, em seu universo subjetivo, é completamente plausível. Como um paciente suicida atendido no Hospital de Base, que acreditava com todas as forças que deveria se matar para livrar sua mãe dos espíritos do mal. Depois de ter sobrevivido à tentativa de auto-extermínio, o delírio do paciente passou a ser o de matar sua própria mãe, pois só assim ela seria liberta. Em um caso como esses, é complicadíssimo segurarmos o paciente pela mão e tentarmos fazer com que ele enxergue a realidade. Porque afinal de contas, de qual realidade estamos falando? Um paciente tido como portador de um Transtorno Mental vive sua subjetividade muitas vezes sem sofrimento consciente algum. Seus comportamentos e atos são tidos como lógicos e muitas vezes não há discurso racional que faça uma idéia ser barrada e desconstruída.
Um paciente com Transtorno de Personalidade Anti-social, o famoso sociopata ou psicopata, tem uma vivência tão apática quanto aos direitos vitais de outras pessoas, que ele pode assassinar um próximo simplesmente para conseguir suprir uma necessidade própria. Falta a esse paciente uma visão empática, solidária, e "consciente" com os valores morais estabelecidos por lei, por exemplo. Como julgar uma atitude de um sociopata sob os olhos do direito penal e garantir a ele uma sentença puramente punitiva se, ao final de sua condenação, ele retornará à sociedade ainda portando seu transtorno de personalidade e ainda carregando sua subjetividade e visão de mundo?
Questionar a inimputabilidade penal deve levar em consideração exatamente isso: a subjetividade e a visão de realidade que uma pessoa possa ter. É através do convívio que internalizamos valores morais que nos constroem como pessoas conscientes de nossos deveres e direitos como cidadãos. Quando com um aparato psicológico intacto e saudável, essa internalização ocorre facilmente, sem muitas dificuldades, e a simples visão do direito a vida do próximo é enxergada quase que automaticamente. Uma vez que esse aparato psíquico falha na introjeção desses valores morais "normalmente" consolidados, a consciência para o direito à vida de outrém já não é a mesma.
O sistema penitenciário brasileiro está focado em promover a punição daqueles que cometem crimes. São cárceres em condições desumanas, abrigando muito mais gente do que podem suportar, com um regime torturante. A visão não é a de uma recuperação do ser humano, muito pelo contrário, muitos saem de lá mais experientes do que já entraram. A punição severa a qual estão submetidos parece dar espaço apenas para um arrependimento profundo, o que não comprova que nunca mais precisarão cometer os mesmos crimes que já foram cometidos em outro momento. Mais uma vez, os diversos motivos que levam uma pessoa a se comportar e a cometer crimes são tão complexos, que nada pode ser comprovado acerca de uma outra situação em que um crime poderia ser cabível. Ou seja, é perfeitamente compreensível que uma pessoa possa sair da cadeia anos após ser admitido, arrependido pelo que fez, mas ainda em condições sociais e humanas tão precárias que a probabilidade de precisar cometer outro crime é ainda altíssima.
Vendo isso, é possível se enxergar os motivos pelos quais não há como sentenciar uma pessoa que não tem consciência de seus atos. Um anti-social, após matar seis garotos e não ver seriedade em seus atos, irá cumprir pena por anos e sairá ainda em sua condição mental e cometerá outros crimes tão graves ou piores quanto os já cometidos. Enquanto o sistema prisional estiver focando apenas na punição e não na recuperação do ser humano, não há como tratar as pessoas com perfil inimputável de outra forma.
Para sentenciar alguém ao corredor da morte, por mais que não tenhamos pena de morte aqui, parte-se do pressuposto de que essa pessoa possui plena consciência de seus atos e agiu de forma cruel, promovendo um mal para a sociedade e deve ser punida por isso. No entanto, isso não lhe retira o direito já pré-determinado de vida, de bem-estar e de existência digna. Se uma pessoa não é capaz de enxergar a realidade como enxergamos e não possui os olhos que possuímos para ver que seus atos causaram um mal a outras pessoas e feriram seus direitos como cidadãs, puni-la sob um regime comum não trará resultado algum, a não ser privá-la de liberdade, enquanto podia estar tendo a recuperação ou o tratamento correto para sua condição mental.