sexta-feira, 17 de junho de 2011

Bullying e saúde mental • Bullying and mental health

Bullying é o nome, de origem inglesa, dado a uma seqüencia de atos violentos de característica física e/ou moral, cometidos de forma incisiva e repetitiva, contra uma ou várias pessoas, que normalmente se encontram em uma situação de vulnerabilidade ou em um contexto ou situação em que se torna improvável a sua auto-defesa. Esse tipo de violência se configura entre pares, ou seja, entre pessoas semelhantes, que não estão em uma relação hierárquica ou de poder e por isso, é mais comum definirmos Bullying como a violência escolar entre alunos, apesar de ele ter outras definições em outras culturas.
         Muito tem sido observado no país ultimamente acerca do Bullying. Não porque o termo foi criado recentemente. Na verdade, essa definição já existe há alguns anos no Brasil mas, infelizmente, começou a "cair na boca do povo" há alguns meses, com o ocorrido em Realengo este ano.
           A tragédia de Realengo é um exemplo importante para dar início à discussão que pretendo gerar. Há muitos profissionais da saúde dizendo na mídia que o Bullying não foi o motivo principal pelo qual Wellington resolveu assassinar os estudantes no Rio de Janeiro. De fato, podemos dizer que foi um conjunto de acontecimentos e vivências, em toda a existência de Wellington, que puderam, juntos, corroborar para esse quadro. Mas não podemos deixar de fora o fato de que toda a violência moral e física vivenciada por ele durante quase todo o seu momento escolar teve uma importância gravíssima em sua saúde mental e sua visão de si próprio e do mundo. Em suas cartas, Wellington diz que o motivo de suas ações não tem a ver exclusivamente com o Bullying sofrido por ele. Mas diz respeito a várias outras lutas que ele tem para si, que no fundo poderiam estar intimamente relacionadas com a significação que ele dá para o conceito de violência,   respeito, convivência social, que com certeza foi construída em seu período de maior importância e formação de self, seu período escolar, que corresponde à sua infância e adolescência.
            Não podemos tentar procurar uma psicopatologia em que Wellington se encaixe, ele não está vivo para podermos compreender melhor sua subjetividade e não temos detalhes suficientes sobre seus pensamentos e seus reais motivos para ter feito o que fez. O que sabemos é que ele vivenciava uma nítida percepção distorcida da realidade, com pensamentos e crenças muito fortes, voltados para um estilo de vida e uma missão construída por ele como algo realmente importante para sua existência. Essa distorção, de acordo com seus conteúdos observados, provavelmente se relaciona intimamente com a realidade por ele vivida, não somente com o histórico de violência na escola, mas por todas as consequências geradas por um estilo de conduta que, aparentemente, já vinha sendo manifestado por ele desde pequeno. A compreensão social acerca de seu quadro parece bastante comprometida. Com certeza Wellington passou por muitas dificuldades e preconceitos. O próprio Bullying cometido contra ele denuncia que suas particularidades e suas características eram vistas como "estranhas" e "vulneráveis" por seus colegas de classe. Talvez não seja possível dizer a partir de que momento essa psicopatologia possa ter começado a se manifestar, mas pode-se afirmar que seu prognóstico foi fortemente influenciado pelo contexto em que ele precisou viver, marcado por  muitos episódios de violência, incompreensão e provavelmente segregação.
               Por isso, retoma-se o alerta em relação à probabilidade de um Bullying estar ocorrendo. Percebe-se que a criança modifica sua motivação para ir à escola, sua auto- estima fica prejudicada, ela experimenta bastante isolamento social, suas notas e aproveitamento das disciplinas sofrem grandes modificações. Se não é detectado pela escola e pelos pais que há algo que está afetando diretamente o emocional da criança, e nada é feito em relação a isso, ela tende a ficar pior e pode sim desenvolver outros prejuízos maiores para sua vida, tal como um adoecimento mental e físico e a conseqüente atitude impulsiva como o suicídio ou o homicídio, como o observado em Realengo.
                Antes de apontarmos o dedo para o agressor, no entanto, precisamos nos lembrar que ele também tem um sofrimento envolvido. Violência e abandono em casa podem ser fatores que colaboram para que a criança tome atitudes agressivas na escola, não só porque aprendeu e revivencia o que vê em sua própria família, mas como um depósito de ações agressivas e descarregadoras de tensão, que não são possíveis de serem manifestadas em casa. Também por aceitação social, encaixe no grupo, reconhecimento. O que é preciso ser lembrado é que violência e agressividade também é sintoma de um emocional desequilibrado. Não somente o agredido vivencia dor, o agressor também precisa de compreensão e precisa que suas condições de vida e seu contexto social seja modificado.
            O Bullying é uma violência que se manifesta a partir de uma demanda emocional que precisa ser bem investigada. Se não é possível preveni-la, é possível repará-la e evitar que fique mais grave e traga mais sofrimento tanto para quem o comete, quanto para quem o recebe. Nossas escolas precisam estar mais bem preparadas para falar sobre o assunto com seus alunos, mas também para saberem detectar e tomar providências caso percebam que algo está acontecendo. Precisamos lembrar que o período escolar pode significar momento de importante construção de um ser completo, com crenças, pensamentos, idealizações, condutas, motivações e interpretações que se refletirão em seus comportamentos como adulto anos depois. Se esse momento da vida não foi bem vivido ou foi recheado de péssimos vínculos e episódios traumáticos e fragmentadores, é possível que traga sérias consequências para o depois, trazendo bastante prejuízo para o ex aluno e podendo, inclusive, desencadear sofrimento psíquico grave.