A
sociedade brasileira está plenamente dividida em diversos níveis
socioeconômicos, raiz predominante da nossa cultura, caracterizados por
diversas peculiaridades políticas, econômicas e sociais que por vezes colaboram
para o distanciamento das realidades, o preconceito e a não aceitação da
desigualdade, como ponto fundamental para a diversidade humana.
Nessas raízes de desigualdades,
nitidamente encontram-se problemáticas que ferem o que se tem por dignamente
direito do homem. Condições de vida que não são contempladas por serviços
voltados para a educação de qualidade, saúde de qualidade e oportunidades que
poderiam gerar um nível de vida um pouco melhor. Assim, abrem-se as portas para
a marginalização, para uma busca infinita por melhores vivências e, por um
desamparo em não encontrar, na maior parte das vezes, um sucesso nessa
empreitada, recorre-se aos comportamentos fora da lei, como um alívio
momentâneo a qualquer necessidade, mesmo que isso signifique prejudicar o
próximo.
Realidades delicadas podem ser
notadas em diversos contextos familiares, mas famílias inseridas em condições
de vida extremamente complicadas tendem a experienciar diversas dificuldades no
âmbito econômico, social, orgânico e mental. Dificuldades que, a longo prazo,
são verdadeiros geradores de sofrimento, provocando feridas tão profundas,
recheadas por sensações de desamparo, descontrole e falta de escolha. É bem
sabido que a atualidade do país não conta com políticas públicas em número e
eficiência suficientes para vencerem esses desafios e os que estão à margem
continuam nessa situação, sem perspectivas de progresso e, muito menos, de uma
mão que se estenda em auxílio.
Por diversos motivos diferentes, o
homem sofre e vivencia diversas sensações e emoções existentes. Mas por mais
que os motivos variem de realidade para realidade, as sensações se repetem,
tocam o íntimo de cada um e nem assim tem sido fácil perceber que há igualdade
na diferença. O homem não está “treinado” a exercitar um olhar que transcenda o
seu eu. É difícil aceitar que o outro se comporta e pensa de uma maneira
diferente, é complicado compreender que nem sempre o mundo se realiza como se
espera. Nessa luta por negar a diferença do outro, o eu se fecha e se volta
para a própria realidade, supervaloriza-se. A eterna busca da própria
felicidade, portanto, muitas vezes implica na recusa de se enxergar a
necessidade do outro e, frente aos diversos avanços tecnológicos, a luta pelo
ser e pelo ter se torna cada vez mais forte.
A individualidade se sobressai, o
social se fere. Tudo o que poderia ser construído conjuntamente é reduzido a
diversas conquistas solitárias. Isso não só colabora para acentuar as
diferenças, quanto para acentuar o olhar que se tem sobre as diferenças. O eu
quer se fastar do que o atrasa, o que importa é buscar o infinito, mesmo que
sozinho, a verdadeira filosofia do “cada um por si”. Mas assim como se observa
nas teorias do desenvolvimento do ser humano, tudo o que existe na Terra é
mutável, passível de evolução e carrega consigo um potencial. Esse potencial
nada mais é do que uma pequena chama que, em condições favoráveis e com o
auxílio de algo que está aquém, pode se tornar uma realidade. Assim, se um
homem possui potencialidades ainda limítrofes, com toda a certeza seria
possível torná-las realidade, com o auxílio de um desenvolvimento, muitas vezes
motivado e guiado por algo ou alguém de experiência.
Assim poderia ser lançada uma
questão: se existem potencialidades, por que não voltar o olhar para o que pode
ser a luz do futuro? Por uma mera questão de falta de oportunidade, que se exemplifica
pelas realidades que se observam nessa sociedade, diversas potencialidades
ficam no plano da inércia e, pelo movimento natural que se evidencia, tendem a
se tornar chamas que se apagam, pouco a pouco, ao longo dos anos marcados pela
desesperança. Aqueles, portanto, que detêm as experiências, as oportunidades e
os “meios de”, poderiam, em uma ação que vise uma evolução conjunta,
compartilhar essa força para facilitar o amanhã. Um amanhã que nada mais é do
que um futuro progredido, enriquecido por diversos pensadores, realizadores e
benfeitores.
A partir do momento em que o eu
conseguir transcender, o outro tornar-se-á também uma meta. Não adianta
parafusos trabalharem sozinhos para formarem uma máquina, cada engrenagem
possui sua função e, nesse funcionamento sistemático, é possível se chegar a um
fim concreto e fortalecido. Assim, o exercício de voltar o olhar para o além
significa solidificar as bases fundamentais para um progresso que traga
benefícios para uma totalidade e não para uma pequena parte. Não é uma questão
de seleção natural, de “salve-se quem puder” ou de “o mais forte sobrevive” e
sim, uma questão de “duas cabeças pensam melhor que uma”, de união que leva à
perfeição, de “gentileza gera gentileza”. O homem precisa enxergar que há um
propósito e um ganho próprio em uma construção conjunta, em uma valorização da
diversidade e, principalmente, na compreensão das limitações, que podem ser
facilmente superadas pelas potencialidades.