Para Piaget (1932), as regras morais
se transmitem de geração para geração e se mantêm graças ao respeito que os
indivíduos mantêm por ela, ou seja, a criança dificilmente desenvolverá uma
consciência autônoma, ela terá o apoio e aprendizado de personalidades
superiores. Esses deveres se tornam obrigatórios porque emanaram de indivíduos
respeitados, não por causa de seus conteúdos específicos. Piaget separou as interações sociais em dois
tipos: a coação social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais
indivíduos, em que se haja um elemento de autoridade ou prestígio. A cooperação
social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais indivíduos, que
acreditam serem similares, ou seja, não
há elementos de autoridade entre eles, são relações entre pares. O respeito
unilateral é a primeira forma de respeito que surge no desenvolvimento do ser
humano, e se constitui nas relações de coação social, como relaçoes estabelecidas
entre crianças e seus pais, ou com outros adultos significativos para elas. A
criança atribui um grande valor às normas, opiniões e valores desses adultos,
imitando-os e adotando-os (Piaget, 1941).
É a partir do respeito unilateral que outras
formas de respeito são possíveis, como o respeito mútuo, quando os indivíduos
se atribuem reciprocamente valores equivalentes, como podem ser vistos em
relações sociais cooperativas, momento em que o indivíduo percebe o potencial
para mutação das regras e percebe que ele mesmo pode construír seus valores,
dando início à Autonomia Moral. O indivíduo se torna capaz de refletir sobre as
hipóteses e de estabelecer ideais de igualdade, justiça, solidariedade e
liberdade, que poderão permear a consciência para suas ações. É a partir do
respeito mútuo entre personalidades autônomas que seria possível a diversidade.
No estudo feito por Larissa Machado
de Souza Barroso (2000), que caracterizou sua dissertação de mestrado, e tem
como título: As ideias das crianças e dos
adolescentes sobre seus direitos: um estudo evolutivo à luz da teria
Piagetiana, é possível se estabelecerem relações entre seus achados e a
teoria de Piaget sobre a Consciência Moral, além de ser possível analisar,
também relacionalmente, alguns conceitos fundamentais propostos por ele. Em seu
trabalho, Barroso (2000) analisou como crianças e adolescentes de variadas
idades interpretavam situações diversas que questionam os Direitos Humanos e
quais soluções eram propostas por eles. Observou-se que crianças muito pequenas
utilizavam-se de situações muito concretas, presentes em seu cotidiano, para
justificar seus motivos para interpretar as situações como erradas, além de
proporem como solução estratégias muito situacionais e imediatas, não
conseguindo perceber as consequências, também prejudiciais, que suas soluções
poderiam gerar. Como por exemplo, em uma situação de maus tratos exposta,
crianças muito novas conseguiam conceber como uma situação muito possível de
ocorrer, inclusive relatando experiências próprias vivenciadas, e davam como
solução estratégias como “fugir de casa” ou “conversar com a mãe” ou com a
vizinha que escutava o choro da criança ao ser violentada pelo pai. Crianças de
idade mais avançada, por outro lado, tinham uma maior capacidade argumentativa,
relatavam experiências próprias e outras vistas em meios de comunicação para
justificarem suas análises e conseguiram propor estratégias mais conscientes e
abrangentes de solução. Ou seja, foi possível perceber uma maior capacidade de
notar que as situações caracterizavam um descumprimento de deveres, ou
obrigações, o que poderia ser teorizado
por Piaget como o início de uma Autonomia Moral. Existe a capacidade de
perceber como atitudes erradas, que vão contra alguma regra, propondo soluções
que fogem do imediatamente perceptível, como as crianças mais novas. Já para os
adolescentes, um terceiro nível de compreensão das situações, a idéia de
direito está mais bem consolidada, separando direitos de deveres e apontando
formas mais eficazes de defesa aos casos de violação, são capazes de observarem
as necessidades coletivas, ao invés da meramente individual, além de
questionarem ideais estabelecidos, como os de justiça, igualdade, respeito,
etc., caracterizando o que Piaget chamaria de uma Consicência Moral bem
consolidada.
Tendo em vista o conceito de
adaptação proposto por Piaget, em que no processo de assimilação, o indivíduo
se utiliza dos recursos internos já existentes para o retorno ao equilíbrio, é
possível se pensar que as crianças mais novas, analisadas por Barroso (2000),
além de não terem uma Consciência Moral muito bem consolidada, possuem ainda um
repertório pequeno de recursos e estruturas mentais para lidar com novas
situações, como as propostas pelo estudo feito. É a partir disso que crianças
pequenas, situadas na fase sensório-motor, podem entrar no processo de
acomodação, com a consolidação de novas estratégias e mecanismos de
enfrentamento e, consequentemente, retornarem ao equilíbrio. Já as crianças
citadas como mais capazes de analisar a situação de forma mais geral, tendo
consciência dos deveres e conseguindo apontar como soluções, estratégias menos
focadas na resolução imediata e concreta, pode-se dizer que se situam na fase
das operações concretas, com um crescente incremento do pensamento lógico, com
assimilação menos egocêntrica e mais realista, caracterizada por atitudes mais
críticas. O terceiro nível, comporto por adolescentes, compreende a fase das
operações formais, momento em que é possível formar esquemas conceituais mais
abstratos, pautados em ideais de amor, justiça, democracia, etc, e realizar
operações mentais formalmente mais lógicas. É possível questionar sistemas
sociais e propor novos códigos de conduta (Rappaport, 1981).
Se o Bullying envolve atos, palavras
ou comportamentos prejudiciais, intencionais e repetitivos direcionados a uma
pessoa, causados por uma ou mais pessoas, com o objetivo de humilhar, expor ao
ridículo, acusar, excluir e prejudicar (Middelton-Moz & Zawadski, 2007), é
possível se concluir que todos esses comportamentos caracterizam um
descumprimento aos Direitos Humanos, um corte ao respeito mútuo e uma má
consolidação da Consciência Moral. Se essa forma de intimidação está presente
em condutas nas mais variadas faixas etárias e pode ser vista também em outros
contextos que não somente o escolar, pergunta-se: o que acontece no processo de
aquisição da Autonomia Moral, envolvendo todas as fases de assimilação e o
consequente posicionamento em etapas piagetianas, para que a sensibilidade a
esses ideias e valores esteja prejudicado? Se o indivíduo adquire sua
inteligência e suas capacidades ao longo de uma vasta interação social
(Rappaport, 1981), e, além disso, desenvolve outras formas de respeito a partir
do respeito unilateral em relações sociais de coação (com os pais ou adultos
significativos), em que tipo de relações esse mesmo indivíduo está inserido ao
longo de seu desenvolvimento, que não estão formando ideais mais fortes,
abrindo possibilidades para comportamentos agressivos e violentos, que desrespeitam
os direitos do próximo? Se o Bullying escolar envolve crianças ainda na fase
das operações concretas e que portanto, ainda podem passar por etapas de novas
assimilações, é possível se pensar que uma intervenção eficaz pode trazer novas
significações e soluções para essas crianças, formando novos valores e
compreendendo melhor as noções de direitos e deveres, inclusive de respeito
mútuo. E se o Bullying escolar envolve adolescentes que potencialmente se
situam na fase das operações formais? Como é possível provocar modificações na
visão crítica e em códigos de conduta já estabelecidos, para que atitudes
agressivas e violentas não voltem a ocorrer?
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