segunda-feira, 23 de agosto de 2010

A memória • The memory



O que exatamente está envolvido no estabelecimento de memórias? Que áreas cerebrais subsidiam a aquisição de novas lembranças e a recuperação de fatos armazenados há algum tempo? Porque lembramos e esquecemos de tanta coisa? O que acontece quando sofremos lesões e temos amnésias?
A memória é um assunto de pesquisa tão complexo, que são necessárias páginas para se dissertar exatamente sobre tudo a respeito do tema! Mas existem alguns conhecimentos importantes e básicos sobre o assunto que podem ser explorados, trazendo um gostinho a mais de se pesquisar mais a fundo sobre esse assunto misterioso da vivência humana.
Bem, a memória é um fator da cognição ligada a vários outros fatores, essenciais para a nossa existência e interação. A memória está relacionada à aquisição da aprendizagem, consequentemente relacionada à resolução de problemas. Desde a aprendizagem sensorial, envolvendo o reconhecimento de estímulos ambientais, a nível tátil, auditivo, visual, até a aprendizagem semântica, envolvendo a construção linguística e fonológica, chegando à aprendizagem procedural, envolvendo o "saber como", as etapas necessárias e específicas para se realizar uma atividade e se resolver um problema.
A memória se configura em três formas. É a partir da memória sensorial que entramos em contato com os estímulos ambientais e armazenamos informações por um curto período de tempo. Nesse período, estamos nos utilizando da memória de curto prazo, que foi substituída pelo conceito de memória de trabalho. Essa memória é limitada e serve para que possamos realizar alguma tarefa, utilizando essa informação e conhecimento brevemente armazenados. Se criamos um acesso frequente a memórias de trabalho ou de curto prazo, elas podem vir a ser memórias de longo prazo, praticamente definitivas e passíveis de recuperação a qualquer momento. A memória de longo prazo contém lembranças inesquecíveis sobre fatos da vida, além de algumas outras informações que podemos até perder com o passar do tempo. Ela também pode ser dividida entre memória declarativa e não- declarativa. A primeira, diz respeito a toda a memória de que temos consciência, que podemos acessar tentando apenas resgatar uma informação. A segunda diz respeito às memórias inconscientes, que resgatamos inconscientemente, de acordo com estímulos e situações ambientais.
A memória declarativa pode ainda ser definida como do tipo episódica ou semântica. A primeira diz respeito à lembrança de episódios organizados no tempo. Como a lembrança de o que comemos no café da manhã, quais procedimentos e em que sequência tudo ocorreu. A segunda diz respeito à memória de significação, envolvendo palavras, números, códigos, etc.
Sabe-se que existe uma área cerebral responsável pela memória: o hipocampo. Mas foi a partir de estudos significativos que chegaram à conclusão de que o hipocampo não é responsável por todo tipo de memória. H.M. foi um paciente que passava por um quadro de epilepsia e passou por uma intervenção cirúrgica a fim de aliviar os sintomas da doença. Ele teve seus lobos temporais mediais bilateralmente retirados, o que facilitou o controle dos sintomas da epilepsia com o uso de fármacos, mas trouxe uma amnésia anterógrada grave associada a uma amnésia retrógrada leve. Amnésia anterógrada é uma incapacidade de lembrar e armazenar memórias após a cirurgia. Ou seja, H.M. ficou incapacitado de obter novas memórias depois que passou pelo procedimento, conseguindo apenas efetuar rápidas atividades, com o uso da memória de curto prazo. Amnésia retrógrada é uma incapacidade de lembrar memórias obtidas antes da cirurgia. H.M. teve uma amnésia retrógrada leve pois ficou incapacitado de lembrar de fatos que ocorreram alguns anos antes da cirurgia, mas era capaz de lembrar de vários fatos da infância, além de se lembrar de aprendizagens como falar, efetuar cálculos, vestir-se, entre outras coisas.
H.M. teve seu hipocampo comprometido por conta dessa cirurgia, o que levou os pesquisadores a pensarem que essa área está responsável pelo sistema de aquisição de novas memórias e, consequentmente, de novas aprendizagens. Criou-se então uma teoria de que o hipocampo recebe informações de outras áreas cerebrais, como núcleos da base a amígdala, e as modifica, transformando memórias de curto prazo em memórias de longo prazo. Mas não se sabe ainda quais áreas cerebrais estão ligadas ao armazenamento definitivo dessas memórias de longo prazo. Apesar de H.M. ter tido comprometimento de algumas informações de longo prazo, ou seja, ter apresentado uma amnésia retrógrada leve, ele ainda mantinha memórias remotas muito fortes. O que possibilitou que isso acontecesse?