terça-feira, 23 de agosto de 2011

Violência, Bullying, Família e Escola • Violence, Bullying, Family and School



         

   A família e a escola, como agentes primários de socialização (Ferreira, 1997), têm função importantíssima na construção dos conceitos que envolvem boa convivência entre pares, responsabilidades e deveres, assim como o fortalecimento de valores morais e éticos, como o respeito mútuo, a empatia, a compreensão e a solidariedade, não somente entre os membros da família e alunos, mas entre cidadãos que compõem uma sociedade ampla.
            Tendo a família como a base de formação do ser, é compreensível delegar a ela uma enorme responsabilidade de servir-se de exemplo para os filhos, uma vez que dentro dela é possível aprender leis de convívio perpassadas pelas gerações, valores e responsabilidades, questionamentos e reflexões. Resposabilidades essas que remetem à Teoria da Aprendizagem Social (Bandura, 1973), que fala justamente da facilidade que a criança encontra em aprender condutas e comportamentos tendo como base as atitudes observadas dentro da própria família, principalmente entre as figuras maternas e paternas. A partir dessa teoria também é possível compreender os motivos pelos quais várias crianças se comportam de forma agressiva em contextos externos à convivência familiar, principalmente na escola. Vários pesquisadores têm encontrado uma íntima relação entre violência doméstica, no âmbito psicológico, físico e moral, e condutas agressivas em crianças na escola, participando como agressoras ou alvos/autoras de agressão (Pepler, Catallo & Moore, 2000).
            A criança, parte integrante da família, vivencia a agressão doméstica de forma direta, sendo alvo da agressão, ou de forma indireta, presenciando atos de violência entre os pais. De amba as formas, prejuízos à criança podem ser gerados (Jouriles, McDonald, Norwood, Ezell, 2001), como manifestações de comportamentos agressivos e até o desenvolvimento de Transtornos de Conduta que, segundo o DSM-IV-TR são caracterizados por um padrão persistente de comportamento que viola os direitos básicos dos outros e as normas ou regras sociais importantes e apropriadas à idade. Dentre os vários motivos que levam a um episódio de violência doméstica, há um consenso na literatura de que problemas de saúde dos pais, dentre eles o abuso de drogas e alcool, são fatores estressores que propiciam o desencademento desse tipo de violência (Caminha, 1999). Webster- Stratton (1997) afirma que mães com depressão, pais alcoolistas e comportamentos agressivos e anti-sociais dos pais implicam em fatores de risco.           
            A relação entre a participação das crianças, de forma direta ou indireta, na violência doméstica e a consequente manifestação de comportamentos agressivos na escola foram evidenciados pelos experimentos de Maldonado & Williams (2005) e Pinheiro e Williams (2009). No primeiro estudo, foram entrevistadas 28 mães, sendo 14 de crianças agressivas e 14 de crianças não agressivas, estudantes de uma escola pública de São Paulo. Das 14 primeiras,  28.6 % relataram a ocorrência de “violência em casa”, enquanto as segundas não relataram. Quanto à “violência contra a criança”, 42.9% das primeiras mães relataram a ocorrência, em relação aos 14.3% das mães  do segundo grupo.
            O segundo estudo explorou o conceito de Bullying e teve o objetivo de relacionar a violência doméstica com a participação, de alguma forma, em práticas de intimidação (Bullying) escolar. Ele é caracterizado por um conjunto de atitudes agressivas, intencionais e repetitivas, ocorrendo sem uma motivação evidente, praticado por um aluno ou um grupo, contra um aluno ou vários, causando dor, sofrimento e angústia. Esses atos compreendem insultos, intimidações, apelidos cruéis, além de danos físicos, morais e materiais, entre outros (Fante, 2005). Alguns autores dividem esse tipo de violência em três categorias: a intencionalidade do ato, a prolongação no tempo e o desequilíbrio de poder físico, psicológico ou social entre os envolvidos. Pinheiro e Williams encontraram que, de uma amostra de 239 adolescentes entrevistados, 49% relatou ter tido algum envolvimento em Bullying três meses anteriores à pesquisa. Sendo que destes, 26% foram exclusivamente vítimas, 21% foram alvos/autores de intimidação e 3% exclusivamente autores. No geral, 91,8% dos alunos que foram agredidos pela mãe ao menos uma vez estavam no grupo de alunos que sofreram e praticaram o Bullying, ou seja, os alunos que sofreram pelo menos um tipo de violência por parte da mãe tinham 3,2 mais chance de se envolver em Bullying como alvo/autores do que aqueles que não sofreram essa violência. Entre outras análises estatísticas mais complexas, de forma geral, os resultados confirmaram que os alunos que vivenciaram a violência doméstica, de forma direta e/ou sendo expostos à violência interparental, tinham maior probabilidade de se envolver em situações de intimidação (bullying) na escola, especialmente como alvo/autores.
            De forma conclusiva, lança-se um questionamento em relação à violência tão freqüentemente observada atualmente no contexto escolar, e o convívio familiar e suas especificidades. Existem diversas políticas de prevenção e luta contra a violência doméstica, principalmente a que envolve a violência contra a mulher, tão freqüentemente vivenciada por crianças e passadas de forma transgeracional ao longo dos anos. Mas as políticas não estão dando conta da enorme consequência a longo prazo a que essas crianças estão submetidas. A partir dos dados estatísticos apresentados, é possível se afirmar que a violência em casa é a principal formadora das condutas dos filhos, observadas na escola. Se a criança aprende o vocabulário da agressão como forma de solução para os relacionamentos interpessoais, ela possivelmente o reproduzirá quando for preciso e, tendo em vista a fase escolar, que compreende os longos anos da infância e da adolescência, a instituição escola talvez seja o principal endereço dessas manifestações sociais de violência, domínio, abuso da liberdade, desrespeito, falta de empatia, entre outros. Pode-se afirmar que o comportamento agressivo dos filhos nas escolas poderia ser compreendido como um “pedido de socorro”, já que a apresentação de comportamentos violentos pode ser considerado um fator indicador de que a criança se econtra em situação de risco, frente à exposição à violência severa (Maldonado & Williams, 2005).
            Que tipos de intervenção deveriam ser feitas? Como a família deveria participar nesse processo? Que função a escola tem quando participa ativamente de uma situação de violência e precisa intervir pelos alunos, vítimas e agressores? De que forma poderia haver uma comunicação entre a família e a escola?