sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Piaget e Consciência Moral: por que estamos nos violentando? • Piaget and Moral Conscience: why are we violating ourselves?



       
            Para Piaget (1932), as regras morais se transmitem de geração para geração e se mantêm graças ao respeito que os indivíduos mantêm por ela, ou seja, a criança dificilmente desenvolverá uma consciência autônoma, ela terá o apoio e aprendizado de personalidades superiores. Esses deveres se tornam obrigatórios porque emanaram de indivíduos respeitados, não por causa de seus conteúdos específicos.  Piaget separou as interações sociais em dois tipos: a coação social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais indivíduos, em que se haja um elemento de autoridade ou prestígio. A cooperação social se caracteriza por uma relação entre dois ou mais indivíduos, que acreditam serem similares, ou seja,  não há elementos de autoridade entre eles, são relações entre pares. O respeito unilateral é a primeira forma de respeito que surge no desenvolvimento do ser humano, e se constitui nas relações de coação social, como relaçoes estabelecidas entre crianças e seus pais, ou com outros adultos significativos para elas. A criança atribui um grande valor às normas, opiniões e valores desses adultos, imitando-os e adotando-os (Piaget, 1941).
             É a partir do respeito unilateral que outras formas de respeito são possíveis, como o respeito mútuo, quando os indivíduos se atribuem reciprocamente valores equivalentes, como podem ser vistos em relações sociais cooperativas, momento em que o indivíduo percebe o potencial para mutação das regras e percebe que ele mesmo pode construír seus valores, dando início à Autonomia Moral. O indivíduo se torna capaz de refletir sobre as hipóteses e de estabelecer ideais de igualdade, justiça, solidariedade e liberdade, que poderão permear a consciência para suas ações. É a partir do respeito mútuo entre personalidades autônomas que seria possível a diversidade.
            No estudo feito por Larissa Machado de Souza Barroso (2000), que caracterizou sua dissertação de mestrado, e tem como título: As ideias das crianças e dos adolescentes sobre seus direitos: um estudo evolutivo à luz da teria Piagetiana, é possível se estabelecerem relações entre seus achados e a teoria de Piaget sobre a Consciência Moral, além de ser possível analisar, também relacionalmente, alguns conceitos fundamentais propostos por ele. Em seu trabalho, Barroso (2000) analisou como crianças e adolescentes de variadas idades interpretavam situações diversas que questionam os Direitos Humanos e quais soluções eram propostas por eles. Observou-se que crianças muito pequenas utilizavam-se de situações muito concretas, presentes em seu cotidiano, para justificar seus motivos para interpretar as situações como erradas, além de proporem como solução estratégias muito situacionais e imediatas, não conseguindo perceber as consequências, também prejudiciais, que suas soluções poderiam gerar. Como por exemplo, em uma situação de maus tratos exposta, crianças muito novas conseguiam conceber como uma situação muito possível de ocorrer, inclusive relatando experiências próprias vivenciadas, e davam como solução estratégias como “fugir de casa” ou “conversar com a mãe” ou com a vizinha que escutava o choro da criança ao ser violentada pelo pai. Crianças de idade mais avançada, por outro lado, tinham uma maior capacidade argumentativa, relatavam experiências próprias e outras vistas em meios de comunicação para justificarem suas análises e conseguiram propor estratégias mais conscientes e abrangentes de solução. Ou seja, foi possível perceber uma maior capacidade de notar que as situações caracterizavam um descumprimento de deveres, ou obrigações,  o que poderia ser teorizado por Piaget como o início de uma Autonomia Moral. Existe a capacidade de perceber como atitudes erradas, que vão contra alguma regra, propondo soluções que fogem do imediatamente perceptível, como as crianças mais novas. Já para os adolescentes, um terceiro nível de compreensão das situações, a idéia de direito está mais bem consolidada, separando direitos de deveres e apontando formas mais eficazes de defesa aos casos de violação, são capazes de observarem as necessidades coletivas, ao invés da meramente individual, além de questionarem ideais estabelecidos, como os de justiça, igualdade, respeito, etc., caracterizando o que Piaget chamaria de uma Consicência Moral bem consolidada.
            Tendo em vista o conceito de adaptação proposto por Piaget, em que no processo de assimilação, o indivíduo se utiliza dos recursos internos já existentes para o retorno ao equilíbrio, é possível se pensar que as crianças mais novas, analisadas por Barroso (2000), além de não terem uma Consciência Moral muito bem consolidada, possuem ainda um repertório pequeno de recursos e estruturas mentais para lidar com novas situações, como as propostas pelo estudo feito. É a partir disso que crianças pequenas, situadas na fase sensório-motor, podem entrar no processo de acomodação, com a consolidação de novas estratégias e mecanismos de enfrentamento e, consequentemente, retornarem ao equilíbrio. Já as crianças citadas como mais capazes de analisar a situação de forma mais geral, tendo consciência dos deveres e conseguindo apontar como soluções, estratégias menos focadas na resolução imediata e concreta, pode-se dizer que se situam na fase das operações concretas, com um crescente incremento do pensamento lógico, com assimilação menos egocêntrica e mais realista, caracterizada por atitudes mais críticas. O terceiro nível, comporto por adolescentes, compreende a fase das operações formais, momento em que é possível formar esquemas conceituais mais abstratos, pautados em ideais de amor, justiça, democracia, etc, e realizar operações mentais formalmente mais lógicas. É possível questionar sistemas sociais e propor novos códigos de conduta (Rappaport, 1981).
            Se o Bullying envolve atos, palavras ou comportamentos prejudiciais, intencionais e repetitivos direcionados a uma pessoa, causados por uma ou mais pessoas, com o objetivo de humilhar, expor ao ridículo, acusar, excluir e prejudicar (Middelton-Moz & Zawadski, 2007), é possível se concluir que todos esses comportamentos caracterizam um descumprimento aos Direitos Humanos, um corte ao respeito mútuo e uma má consolidação da Consciência Moral. Se essa forma de intimidação está presente em condutas nas mais variadas faixas etárias e pode ser vista também em outros contextos que não somente o escolar, pergunta-se: o que acontece no processo de aquisição da Autonomia Moral, envolvendo todas as fases de assimilação e o consequente posicionamento em etapas piagetianas, para que a sensibilidade a esses ideias e valores esteja prejudicado? Se o indivíduo adquire sua inteligência e suas capacidades ao longo de uma vasta interação social (Rappaport, 1981), e, além disso, desenvolve outras formas de respeito a partir do respeito unilateral em relações sociais de coação (com os pais ou adultos significativos), em que tipo de relações esse mesmo indivíduo está inserido ao longo de seu desenvolvimento, que não estão formando ideais mais fortes, abrindo possibilidades para comportamentos agressivos e violentos, que desrespeitam os direitos do próximo? Se o Bullying escolar envolve crianças ainda na fase das operações concretas e que portanto, ainda podem passar por etapas de novas assimilações, é possível se pensar que uma intervenção eficaz pode trazer novas significações e soluções para essas crianças, formando novos valores e compreendendo melhor as noções de direitos e deveres, inclusive de respeito mútuo. E se o Bullying escolar envolve adolescentes que potencialmente se situam na fase das operações formais? Como é possível provocar modificações na visão crítica e em códigos de conduta já estabelecidos, para que atitudes agressivas e violentas não voltem a ocorrer? 

quarta-feira, 5 de outubro de 2011

Uma abordagem centrada no aluno, estratégia para prevenção da violência escolar- análise e reflexão da teoria de Carl R. Rogers. • The student-centered learning, a strategy to prevent Bullying.






            O presente artigo tem por objetivo analisar a obra de Carl R. Rogers intitulada “Tornar-se pessoa”, promovendo reflexões e levantando estratégias a um ensino voltado para a liberdade do aluno, focada em sua experiência e aberta ao questionamento pessoal. Uma maneira a permitir o crescimento efetivo, individual e em grupo, promovendo a consciência e compreensão mútuas e prevenindo a soberania da violência e competição.

            Rogers inicia sua obra expondo experiências pessoais que o levaram a teorizar e colocar em prática sua visão de processo terapêutico ideal e, posteriormente, construiu associações com o contexto escolar, transpondo a terapia focada no cliente ao ensino focado no aluno e, felizmente, observou os mesmos excelentes e duradouros resultados. Antes de tudo, a teoria rogeriana se pauta no objetivo de dar liberdade ao cliente ou ao aluno de se expressar conforme sua própria consciência de sofrimento e/ou demanda, constituindo em uma técnica que não visa somente a exposição ativa de um “detentor do saber” a um aluno/cliente que se posiciona passivamente e absorve tudo o que lhe é imposto. Ao contrário, a técnica diz respeito a abrir um espaço para que seja comunicado pelo aluno ou cliente o assunto a ser conversado e consequentemente a direção do movimento, tanto no processo terapêutico, quanto no processo de ensino.

            A partir dessa perspectiva, também é possível se pensar na enorme contribuição que o olhar compreensivo possui sobre as interações interpessoais. A postura de um professor diante do aluno, caracterizada por uma compreensão e escuta paciente de suas demandas e experiências possibilita que o aluno se sinta reconhecido e acolhido da melhor maneira e, sentindo-se compreendido, é possível que se modifique. Quanto mais um indivíduo é reconhecido, maior a tendência de abandonar as falsas defesas que criou para enfrentar a vida e maior sua tendência a mover para frente. Essa necessidade de se defender por vezes pode ser caracterizada por comportamentos reativos, agressivos, antissociais e prejudiciais.
             Relações pautadas na compreensão e aceitação da subjetividade do outro também podem ser observadas em situações familiares. Atitudes dos pais para com os filhos denominadas “atitudes de aceitação democrática”, caracterizam-se por relações de igual para igual, realizadas a partir do afeto, e demonstram resultar em desenvolvimento intelectual acelerado por parte dos filhos, além de maior originalidade, maior segurança e controle emocional. Por outro lado, quando os pais adotam “atitudes de rejeição ativa”, surgem resultados como leves retardamentos do desenvolvimento intelectual das crianças, utilização pobre de suas capacidades, instabilidade emocional e comportamentos de rebeldia, agressividade e agitação.
            Tendo em vista os inúmeros efeitos colaterais comportamentais que uma relação baseada na autoridade pode promover, é importante analisar as estratégias apontadas por Rogers como saídas para uma relação de ajuda. Entre elas, ele detalha sobre a importância de se apresentar como verdadeiramente é, para construção de vínculos baseados na confiança. Quando se demonstra e expõe verdadeiramente o que se é, o terapeuta, pai ou professor se posiciona por inteiro e proporciona a confiança. Outra saída diz respeito à já citada importância de se estabelecer uma relação demonstrada no reconhecimento de quem o outro é e do que já viveu e traz consigo, pois assim demonstram-se sentimentos positivos e ao mesmo tempo fortalece-se a confiança. Assim também é possível se demonstrar à pessoa que não há um juízo de valor nessa relação, o que permitirá que ela mesma perceba que o julgamento reside dentro de si mesma. Por último, mas não menos importante, Rogers detalha a importância de se ter em mente que não é produtivo perceber o cliente/paciente/filho como um indivíduo rígido e fechado em um conceito pré-determinado, no sentido de que é preciso pensar nas potencialidades e na possibilidade de que suas condições atuais sejam mutáveis e passíveis de transformações.
            A aprendizagem significativa, como fruto da terapia focada no cliente e no ensino focado no aluno, para Rogers, é aquela que provoca uma modificação, seja no comportamento do indivíduo, na orientação da ação futura que escolhe ou nas suas atitudes e na sua personalidade. É possível se observar aprendizagens como percepções diferentes sobre si mesmo, aceitação de sentimentos, aumento da auto-confiança e autonomia, flexibilidade e diminuição da rigidez nas percepções, adoção de objetivos mais realistas, comportamentos mais maduros, modificação de comportamentos mal adaptados e maior aceitação dos outros. Estudantes que estão em maior contato com os problemas da vida procuram aprender, desejam crescer e descobrir, esperam dominar e querem criar. Todas essas aprendizagens e mudanças puderam ser relatadas por um caso exposto na obra “Tornar-se pessoa” em que Samuel Tenenbraum pôde detalhar sua experiência primeiramente como aluno de Rogers, a experimentar de perto a teoria e técnica humanista e, posteriormente, demonstrando sua eficiência em suas próprias práticas como professor em sala de aula.
            Por fim, Rogers fala sobre os resultados da terapia focada no cliente para a vivência intrafamiliar. Entre eles, está o aumento da compreensão sobre si mesmo e o consequente aumento da compreensão do próximo, em suas características e individualidades. Ao mesmo tempo, quando o indivíduo se torna capaz de entender seus próprios sofrimentos, toda a angústica, raiva e agressividade perde seu poder explosivo e é possível questioná-los e ressignificá-los, inclusive em relações que os provocam.
            Tendo em vista a violência e a agressividade recentemente vivenciadas dentro do contexto escolar e buscando uma estratégia que facilite a prevenção e desestruturação disso, a teoria rogeriana demonstra que ter o olhar voltado para o indivíduo e suas experiências, de maneira compreensiva e aberta para as mudanças graduais e duradouras, tende a trazer bons resultados que podem se refletir em outros contextos e possibilitarem novas vivências e novas decisões para o futuro. Se há um espaço aberto para que o aluno converse sobre suas angústias, muitas vezes vivenciada fora da escola, mas trazidas para suas relações escolares, e este aluno percebe estar sendo acolhido com compreensão e empatia, ele mesmo poderá encontrar os caminhos para sua modificação, buscando novas estratégias, tornando menos rígidas suas percepções e podendo, inclusive, refletir essas mudanças no contexto familiar. Escolas que adotem a filosofia humanista podem contar com um método mais aberto às subjetividades de cada aluno e, em suas dinâmicas em sala de aula, podem promover maior aceitação mútua às individualidades de cada aluno, construindo conceitos que vão desde o respeito ao próximo, passando pela compreensão da demanda de cada um e chegando à motivação de ajudar o outro em seu próprio conhecimento. Diferente de uma educação pautada nas relações hierárquicas e autoritárias, o ensino focado no aluno, de base puramente humanista, parece abrir portas para uma estruturação do ser de forma mais consciente e pacífica, gerando indivíduos que, desde cedo, percebem o próximo como um outro com próprias demandas e especificidades, exercitando a tolerância e a empatia e, ao mesmo tempo, prevenindo situações de violência e exclusão.