O presente artigo tem por objetivo
analisar a obra de Carl R. Rogers intitulada “Tornar-se pessoa”, promovendo
reflexões e levantando estratégias a um ensino voltado para a liberdade do
aluno, focada em sua experiência e aberta ao questionamento pessoal. Uma
maneira a permitir o crescimento efetivo, individual e em grupo, promovendo a
consciência e compreensão mútuas e prevenindo a soberania da violência e
competição.
Rogers inicia sua obra expondo
experiências pessoais que o levaram a teorizar e colocar em prática sua visão
de processo terapêutico ideal e, posteriormente, construiu associações com o
contexto escolar, transpondo a terapia focada no cliente ao ensino focado no
aluno e, felizmente, observou os mesmos excelentes e duradouros resultados. Antes
de tudo, a teoria rogeriana se pauta no objetivo de dar liberdade ao cliente ou
ao aluno de se expressar conforme sua própria consciência de sofrimento e/ou
demanda, constituindo em uma técnica que não visa somente a exposição ativa de
um “detentor do saber” a um aluno/cliente que se posiciona passivamente e
absorve tudo o que lhe é imposto. Ao contrário, a técnica diz respeito a abrir
um espaço para que seja comunicado pelo aluno ou cliente o assunto a ser
conversado e consequentemente a direção do movimento, tanto no processo
terapêutico, quanto no processo de ensino.
A partir dessa perspectiva, também é
possível se pensar na enorme contribuição que o olhar compreensivo possui sobre
as interações interpessoais. A postura de um professor diante do aluno,
caracterizada por uma compreensão e escuta paciente de suas demandas e
experiências possibilita que o aluno se sinta reconhecido e acolhido da melhor
maneira e, sentindo-se compreendido, é possível que se modifique. Quanto mais
um indivíduo é reconhecido, maior a tendência de abandonar as falsas defesas
que criou para enfrentar a vida e maior sua tendência a mover para frente. Essa
necessidade de se defender por vezes pode ser caracterizada por comportamentos
reativos, agressivos, antissociais e prejudiciais.
Relações pautadas na compreensão e aceitação
da subjetividade do outro também podem ser observadas em situações familiares.
Atitudes dos pais para com os filhos denominadas “atitudes de aceitação
democrática”, caracterizam-se por relações de igual para igual, realizadas a
partir do afeto, e demonstram resultar em desenvolvimento intelectual acelerado
por parte dos filhos, além de maior originalidade, maior segurança e controle
emocional. Por outro lado, quando os pais adotam “atitudes de rejeição ativa”,
surgem resultados como leves retardamentos do desenvolvimento intelectual das
crianças, utilização pobre de suas capacidades, instabilidade emocional e
comportamentos de rebeldia, agressividade e agitação.
Tendo em vista os inúmeros efeitos
colaterais comportamentais que uma relação baseada na autoridade pode promover,
é importante analisar as estratégias apontadas por Rogers como saídas para uma
relação de ajuda. Entre elas, ele detalha sobre a importância de se apresentar
como verdadeiramente é, para construção de vínculos baseados na confiança.
Quando se demonstra e expõe verdadeiramente o que se é, o terapeuta, pai ou
professor se posiciona por inteiro e proporciona a confiança. Outra saída diz
respeito à já citada importância de se estabelecer uma relação demonstrada no
reconhecimento de quem o outro é e do que já viveu e traz consigo, pois assim
demonstram-se sentimentos positivos e ao mesmo tempo fortalece-se a confiança.
Assim também é possível se demonstrar à pessoa que não há um juízo de valor
nessa relação, o que permitirá que ela mesma perceba que o julgamento reside
dentro de si mesma. Por último, mas não menos importante, Rogers detalha a
importância de se ter em mente que não é produtivo perceber o cliente/paciente/filho
como um indivíduo rígido e fechado em um conceito pré-determinado, no sentido
de que é preciso pensar nas potencialidades e na possibilidade de que suas
condições atuais sejam mutáveis e passíveis de transformações.
A aprendizagem significativa, como
fruto da terapia focada no cliente e no ensino focado no aluno, para Rogers, é
aquela que provoca uma modificação, seja no comportamento do indivíduo, na
orientação da ação futura que escolhe ou nas suas atitudes e na sua
personalidade. É possível se observar aprendizagens como percepções diferentes
sobre si mesmo, aceitação de sentimentos, aumento da auto-confiança e
autonomia, flexibilidade e diminuição da rigidez nas percepções, adoção de
objetivos mais realistas, comportamentos mais maduros, modificação de
comportamentos mal adaptados e maior aceitação dos outros. Estudantes que estão
em maior contato com os problemas da vida procuram aprender, desejam crescer e
descobrir, esperam dominar e querem criar. Todas essas aprendizagens e mudanças
puderam ser relatadas por um caso exposto na obra “Tornar-se pessoa” em que
Samuel Tenenbraum pôde detalhar sua experiência primeiramente como aluno de
Rogers, a experimentar de perto a teoria e técnica humanista e, posteriormente,
demonstrando sua eficiência em suas próprias práticas como professor em sala de
aula.
Por fim, Rogers fala sobre os
resultados da terapia focada no cliente para a vivência intrafamiliar. Entre
eles, está o aumento da compreensão sobre si mesmo e o consequente aumento da
compreensão do próximo, em suas características e individualidades. Ao mesmo
tempo, quando o indivíduo se torna capaz de entender seus próprios sofrimentos,
toda a angústica, raiva e agressividade perde seu poder explosivo e é possível
questioná-los e ressignificá-los, inclusive em relações que os provocam.
Tendo em vista a violência e a
agressividade recentemente vivenciadas dentro do contexto escolar e buscando
uma estratégia que facilite a prevenção e desestruturação disso, a teoria
rogeriana demonstra que ter o olhar voltado para o indivíduo e suas
experiências, de maneira compreensiva e aberta para as mudanças graduais e
duradouras, tende a trazer bons resultados que podem se refletir em outros
contextos e possibilitarem novas vivências e novas decisões para o futuro. Se
há um espaço aberto para que o aluno converse sobre suas angústias, muitas
vezes vivenciada fora da escola, mas trazidas para suas relações escolares, e
este aluno percebe estar sendo acolhido com compreensão e empatia, ele mesmo
poderá encontrar os caminhos para sua modificação, buscando novas estratégias,
tornando menos rígidas suas percepções e podendo, inclusive, refletir essas
mudanças no contexto familiar. Escolas que adotem a filosofia humanista podem
contar com um método mais aberto às subjetividades de cada aluno e, em suas dinâmicas
em sala de aula, podem promover maior aceitação mútua às individualidades de
cada aluno, construindo conceitos que vão desde o respeito ao próximo, passando
pela compreensão da demanda de cada um e chegando à motivação de ajudar o outro
em seu próprio conhecimento. Diferente de uma educação pautada nas relações
hierárquicas e autoritárias, o ensino focado no aluno, de base puramente
humanista, parece abrir portas para uma estruturação do ser de forma mais
consciente e pacífica, gerando indivíduos que, desde cedo, percebem o próximo
como um outro com próprias demandas e especificidades, exercitando a tolerância
e a empatia e, ao mesmo tempo, prevenindo situações de violência e exclusão.
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